Quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 16 de agosto de 2019
Em novembro de 2017, dois cirurgiões oftalmológicos de um hospital em Beirute, capital do Líbano, relataram um caso intrigante de um problema de visão sofrido por um colega. Especialista em retina, ele de repente desenvolveu uma mancha na vista.
Depois de passar um dia estressante na sala de cirurgia, a visão do médico ficou embaçada em um dos olhos. E não foi a primeira vez que isso tinha acontecido. O cirurgião havia sofrido quatro episódios do tipo em apenas um ano, cada um precedido por um dia estressante.
O diagnóstico dele foi de CSR (coriorretinopatia serosa central). Uma pequena quantidade de líquido se acumulou sob uma pequena região da retina do cirurgião, fazendo com que ela se soltasse temporariamente. Ele melhorou depois de algumas semanas, e um plano rígido de controle do estresse no hospital impediu que outro episódio voltasse a ocorrer. Descrita pela primeira vez em 1866, a CSR tem sido ligada a estresse desde a Segunda Guerra Mundial, quando vários casos foram relatados entre militares.
Embora pesquisas subsequentes tenham associado a CSR ao estresse, muitas vezes ela é rotulada como “idiopático” (decorrente de uma causa desconhecida). Mas os cirurgiões de Beirute rotularam a condição “CSR da sala de cirurgia”, identificando o estresse como causa.
Ao refletir sobre o que tornara o colega vulnerável ao estresse, os médicos notaram que novas técnicas cirúrgicas, possibilitadas por uma tecnologia melhor, estenderam os limites físicos do que um cirurgião é capaz de fazer. Embora esse progresso tivesse ampliado o escopo da cirurgia, operar nesses limites colocava uma enorme tensão mental no cirurgião.
Em 1959, o especialista em gestão Peter Drucker previu que uma transição dramática na natureza do trabalho ocorreria 50 anos depois. Ele cunhou um termo para este novo tipo de serviço, o “trabalho de conhecimento”.
Ele antecipou que esse novo modelo envolveria uma mudança do esforço físico para o mental. Mais tarde, Drucker escreveu que o centro de gravidade do trabalho mudaria para “o homem que põe para trabalhar o que tem entre as orelhas, em vez da habilidade de suas mãos”.
A evolução da cirurgia do olho validou algumas das previsões de Drucker. À medida que a tecnologia avança, ela troca de foco, da habilidade física das mãos do cirurgião para as habilidades mentais de análise e concentração.
Uma sala de operações de cirurgia ocular é, até certo ponto, um microcosmo do local de trabalho no mundo de hoje, onde a natureza evolutiva exige menos do corpo e mais da mente. Consequentemente, a mente está se tornando uma grande vítima de riscos ocupacionais.
De acordo com o HSE (Health and Safety Executive), agência de incentivo e regulação da saúde do Reino Unido, o estresse, a depressão ou a ansiedade responderam por 57% de todos as faltas no trabalho por doença nos anos de 2017 e 2018. A crescente importância da mente sobre a produtividade tem despertado interesse também sobre os malefícios desse fenômeno. O foco caiu no estresse. János Hugo Bruno “Hans” Selye, um médico canadense-húngaro, cunhou a primeira definição de “estresse” na década de 1930.
Ele pegou emprestada a palavra de Robert Hooke, físico inglês do século 17, que descreveu a relação entre estresse físico sobre um objeto e a consequente tensão. Selye teria se arrependido de ter usado a palavra “estresse” em vez de “tensão”, o que deixou o primeiro termo com um legado de certa ambiguidade. Desde a época de Selye, pesquisas revelaram que uma reação aguda de estresse decorre de uma rica tapeçaria de processos.
Sabemos hoje que os bungee jumpers se tornam resistentes à insulina imediatamente após um salto. E que o estresse de dar aulas para 200 alunos gera marcadores de inflamações em professores universitários. Esses processos oferecem vantagens quando em situações de perigo. A resistência temporária à insulina, por exemplo, garante que o açúcar atinja um cérebro sob pressão, enquanto a inflamação ergue um escudo protetor contra visitantes indesejados que entram através de ferimentos.
Os efeitos de uma reação de estresse aguda e saudável são, em sua maioria, temporários, cessando quando uma experiência estressante termina. E quaisquer efeitos duradouros podem às vezes nos deixar melhor do que antes. Estudos em ratos, por exemplo, descobriram que o estresse por algumas horas pode aumentar o número de células cerebrais “recém-nascidas” em uma parte do cérebro, o que pode corresponder a um melhor desempenho em certos tipos de testes de memória.