Terça-feira, 03 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 23 de novembro de 2024
Depois de anos de aumentos implacáveis nas mortes por overdose, os Estados Unidos viram uma reversão notável. Por sete meses consecutivos, de acordo com dados federais, os óbitos vêm diminuindo. Os esforços expandidos de tratamento, prevenção e educação desempenham um papel, mas os especialistas em políticas de drogas acreditam que há outra razão surpreendente: mudanças na própria oferta de drogas, que estão, por sua vez, influenciando a forma como as pessoas usam as substâncias.
O fentanil nas ruas, opioide por trás da maior parte das mortes por overdose no país, está começando a ficar mais fraco. A chefe da Administração de Combate às Drogas dos EUA (DEA, da sigla em inglês), Anne Milgram, anunciou na semana passada que, pela primeira vez desde 2021, a agência viu um declínio na potência da substância. Ela atribui o feito à repressão do governo aos cartéis mexicanos e às cadeias de suprimentos internacionais. No ano passado, 7 em cada 10 pílulas falsificadas testadas nos laboratórios da DEA continham uma quantidade de fentanil com risco de vida, número que caiu para 5 em cada 10.
Especialistas em dependência afirmam que outras intervenções também contribuíram para o declínio das fatalidades, incluindo uma distribuição mais ampla de medicamentos para reversão de overdose, como o Narcan; um aumento em alguns estados nas prescrições de fármacos que suprimem os desejos por opioides, e campanhas para alertar o público sobre pílulas falsificadas contaminadas com fentanil.
Além disso, programas de redução de danos que oferecem trocas de seringas estéreis e tiras de teste de fentanil aos usuários também estão salvando vidas, observam os especialistas. Muitos serviços de tratamento e apoio que foram fechados durante a pandemia passaram a estar mais acessíveis.
“Todos esses fatores fazem parte de uma resposta de saúde ao uso de substâncias que está dobrando a curva”, diz o presidente da Sociedade Americana de Medicina do Vício, Brian Hurley.
Mas os especialistas em políticas e médicos dizem que as mudanças no mercado de drogas ilícitas de fato são um fator crescente, como apontou a chefe da DEA, embora algumas das mudanças também tenham efeitos controversos.
O diretor do Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca, Rahul Gupta, atribui a diminuição nas mortes por overdose em parte aos esforços de repressão à distribuição de produtos químicos usados para fazer fentanil e outros suprimentos que levam a droga mais facilmente para as ruas dos EUA. Como resultado, o fentanil puro está se tornando mais escasso e mais caro, disse Gupta em entrevista ao noticiário local: — Obviamente, a pureza tem uma relação com a letalidade.
Em todo o país, autoridades locais e trabalhadores comunitários estão percebendo a alteração: — Há algum tempo vemos o fentanil mudando: quanto fentanil está no fornecimento, os tipos e a forma — comenta a líder do programa de verificação de drogas em Massachusetts, Traci Green, que coleta amostras de grupos de redução de danos e agências de aplicação da Lei.
Alguns pesquisadores de saúde pública também teorizam que a crescente prevalência de outras drogas, vendidas sozinhas e também misturadas com fentanil, teve um impacto na forma como as pessoas usam o próprio fentanil. O opioide agora é frequentemente diluído com xilazina, um tranquilizante animal que pode causar úlceras cutâneas graves, que já levaram até mesmo a casos de amputações de membros. Mas especialistas em políticas de drogas disseram que a xilazina, em alguns casos, também pode estar tendo um efeito que salva vidas.
Isso porque pessoas com dependência em fentanil geralmente precisam da droga várias vezes ao dia. Mas a xilazina pode sedar os usuários por horas. Se alguém consome fentanil misturado com xilazina, “você não pode usar outro pacote de fentanil, porque você está apagado”, diz o pesquisador Colin Miller, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, que tem entrevistado usuários de drogas em Grand Rapids, Michigan e Pittsburgh sobre os efeitos da xilazina.
A pesquisa descobriu que os pacientes internados nos departamentos de emergência por overdose de fentanil tiveram resultados menos graves quando a xilazina também foi detectada.
Há ainda o papel da disseminação de psicoestimulantes como metanfetamina e cocaína, que também pode estar desempenhando um papel, continuam os especialistas. Mas separar esse impacto é difícil. As pesquisas sugerem que os estimulantes não são tão letais quanto o fentanil, embora ainda sejam perigosos e possam levar a overdoses fatais e danos cardíacos crônicos.
Um estudo recente mostrou uma possível correlação em Ohio entre a queda nas mortes por opioides e um aumento de metanfetamina no estado. Um dos autores, Daniel Ciccarone, especialista em política de drogas e professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia, em San Francisco, entrevistou usuários de opiáceos sobre o porquê de eles estarem passando a usar também estimulantes.