Quarta-feira, 18 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 19 de maio de 2019
Pelo menos três motivos teriam levado a senadora Cristina Kirchner a anunciar que teria desistido de concorrer à presidência da Argentina e que se candidataria a vice. Problemas com a Justiça, questões políticas e familiares, segundo analistas, estariam por trás da decisão, que provocou forte surpresa no âmbito político. As informações são da BBC News Brasil.
Em um vídeo compartilhado no (18) sábado em suas redes sociais, Cristina afirma que será candidata a vice na chapa liderada pelo ex-chefe de Gabinete do ex-presidente Nestor Kirchner, Alberto Fernández. “Nós, líderes, devemos deixar a vaidade de lado, e eu estou disposta a ajudar a partir de um lugar onde possa ser mais útil”, disse na mensagem de pouco mais de dez minutos, na qual faz duras críticas à situação econômica do governo de Mauricio Macri.
A Argentina está em recessão e enfrenta altos índices de inflação, com forte efeito sobre os indicadores de pobreza. Apoiadores do governo Macri, que assumiu em dezembro de 2015, costumam atribuir a situação atual à herança deixada pela antecessora. Esta, por sua vez, responsabiliza a má administração do sucessor pela piora nos indicadores.
A decisão de Cristina foi o tema mais comentado no Twitter na Argentina no sábado. “Já temos chapa presidencial!!! Alberto Fernández presidente e Cristina vice. Com esta chapa vamos derrotar o Cambiemos (base governista ‘Mudemos’)”, escreveu na rede social o ex-chanceler do kirchnerismo, Jorge Taiana.
Em um discurso no sábado, o presidente Macri, que é candidato à reeleição, disse, por sua vez, que os argentinos “não podem voltar ao passado, porque seria autodestrutivo”.
Alberto Fernández é visto como articulador político e pouco carismático, ao contrário da ex-presidente, que vinha sendo apontada como principal adversária de Macri na eleição presidencial de outubro deste ano. No vídeo, Cristina conta que conhece Fernández há vinte anos e diz que já tiveram diferenças, mas que entende ser este o melhor caminho para disputar a eleição argentina.
Mas quais foram os motivos que levaram a ex-presidente a ser candidata a vice e não à presidência, como se esperava?
Problemas com a Justiça
O anúncio da ex-presidente, que governou a Argentina entre 2007 e 2015 e foi antecessora de Macri, foi feito a três dias do início do julgamento de um dos processos a que responde e pelo qual se espera que compareça, pela primeira vez, no próximo dia 21 de maio, ao banco dos réus, ao lado de ex-assessores.
O caso envolvendo obras públicas gerou, na semana passada, uma disputa no Judiciário, que acabou provocando panelaços em bairros de Buenos Aires.
A Suprema Corte de Justiça determinou que a ação, que estava em uma instância inferior, lhe fosse enviada e o julgamento, adiado, sem data marcada. A iniciativa provocou reação e a pressão social, segundo analistas, acabou levando o retorno do caso para o tribunal onde estava. O início do julgamento foi confirmado, então, para esta terça.
“Este é um dos julgamentos. Outros ainda devem surgir, porque ela responde a outros processos”, disse o professor de ciências políticas Marcos Novaro, da Universidade de Buenos Aires (UBA), em entrevista à BBC News Brasil.
Em sua avaliação, Cristina deve explorar os problemas com a Justiça durante a campanha, já que tem reagido às acusações como sendo sintomas de uma eventual “perseguição política”. A decisão de concorrer como vice de Fernández, para ele, foi a “solução” encontrada por Cristina para continuar no jogo político diante do passivo judicial que carrega.
Também na visão do advogado constitucionalista Daniel Sabsay, professor da UBA, a situação judicial de Cristina pode ter influenciado sua decisão.
“Ela tem onze processos e quatro pedidos de julgamento, incluindo o que já começa na terça-feira, e três ou quatro pedidos de prisão preventiva que não avançaram porque ela conta com apoio de setores do peronismo no Senado que não querem que ela perca a imunidade parlamentar”, disse.
Jogada política
No âmbito político, segundo especialistas, a ex-presidente estaria tentando atrair o apoio de peronistas para a fórmula liderada por Fernández.
O peronismo é o movimento político fundado há mais de setenta anos pelo ex-presidente Juan Domingo Perón (1895-1974), conta com várias linhas ideológicas e pelo menos quatro possíveis candidatos à sucessão de Macri: o ex-ministro da Economia do governo de Nestor Kirchner Roberto Lavagna, o ex-candidato presidencial Sérgio Massa, o governador da província de Salta, no norte do país, Juan Manuel Urtubey, e a chapa envolvendo Cristina.
Questões familiares
Uma das acusações contra a senadora envolve os dois filhos, Máximo e Florencia Kirchner. Assim como ela, Máximo goza de imunidade parlamentar e estaria livre da prisão caso fosse condenado. Deputado federal, ele é um de seus principais aliados e confidentes políticos, como conta Cristina em seu livro Sinceramente, lançado neste mês de maio com grande repercussão.
Analistas observam, porém, que Florencia, que é cineasta e está realizando tratamento médico em Cuba, não dispõe da prerrogativa, o que preocuparia a ex-presidente.