Quinta-feira, 29 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 26 de abril de 2020
A atriz Taís Araujo se lembra perfeitamente do dia em que tudo mudou por causa do novo coronavírus. Era 12 de março e ela se preparava para viajar aos EUA com o marido, Lázaro Ramos.
A vida andava em alta velocidade. Taís era uma das estrelas da novela “Amor de Mãe”, da TV Globo. Ele lançaria o filme “Medida Provisória” no SXSW Film Festival, no Texas.
“A gente estava super feliz. Pensamos ‘vai ser ótimo pegar um aviãozinho, ver outras pessoas, outros ambientes’. E o evento ia ser importante para ele [Lázaro]”, relembra ela.
De repente, eles tiveram que pisar no freio: o festival, como milhares no mundo, tinha sido cancelado por causa da disseminação da Covid-19.
Os dois tentaram seguir, em menor velocidade. Pegaram os filhos João Vicente, 8, e Maria Antônia, 5, e passaram o fim de semana em Paraty, no Rio. Mas as informações começaram a despencar na cabeça do casal: o Brasil já registrava 77 casos confirmados da Covid-19, e 1.400 suspeitos.
Lázaro começou a ficar preocupado. “Pede para o Zé [José Luiz Villamarim, diretor de “Amor de Mãe”] parar de gravar.” Nem precisou. No domingo (15), o diretor ligou para Taís: a novela estava suspensa. E o mundo finalmente parou – ou o mundo que Taís, e milhares de brasileiros, conhecia até então.
“Neste dia, eu percebi que a coisa era séria. Porque a gente nunca deixa de gravar uma novela. A gente fica doente e vai gravar doente”, relembra.
O casal e as crianças entraram em casa e nunca mais saíram – foram apenas uma vez de carro à TV Globo para tomar vacina contra a gripe.
Taís ajeita a câmera do Zoom para falar com a coluna. Está de cabelo preso, sem maquiagem alguma, em seu quarto. As mãos estão com marcas vermelhas e roxas, de tanto lavar roupas e louças.
“Não tá fácil”, diz a atriz. A residência do casal, em Humaitá, no Rio, tem cinco suítes. Quatro funcionários trabalham lá. Todos estão de quarentena, recebendo seus salários.
Na conversa, Taís se diverte, ri. Mas também chora.
A casa
Estamos só eu, Lázaro e as crianças, há 33 dias sozinhos [neste domingo serão 41 dias]. Eu limpo banheiro, jardim, cachorro. Ele cozinha. As crianças lavam o prato, o copo. Se não lavar, fica sujo.
Eu não estava acostumada [com serviços de casa] porque desde os 15 anos trabalho fora. Não tinha intimidade. Fiz uma imersão, comecei a estudar a minha casa. Fiz pesquisas na internet: como limpa o banheiro, por onde começa. Encontrei dicas ótimas.
Eu me achei ridícula. Ao mesmo tempo me senti bem, me aprimorando nesse lugar. Tem sido importante. Primeiro, para valorizar as profissionais que fazem o serviço doméstico. E valorizar esse vínculo. Depois, para conhecer a nossa própria casa.
É simbólico você cuidar das suas coisas, das coisas dos seus filhos. É uma delícia, é maravilhoso? Não. Tem coisas de que eu gosto mais e outras de que eu gosto menos.
Eu sou workaholic, então me joguei. Nos primeiros 26 dias, não tinha tempo para mais nada. Só lavava roupa, banheiro, quintal, cozinha. Até que o Lázaro me chamou e disse: para. A gente não vai conseguir fazer tudo. A quarentena não pode virar isso.
Doações
Além de passar o dia limpando, eu fiquei desesperada para ajudar. Passava o dia no computador, destinando recursos para a Cufa, a Uneafro, a Comunitas, a Gerando Falcões.
Marido, filhos e livros
Depois dessa primeira fase, procurei um livro para ler. Na verdade, três livros. Vamos ver qual deles me “pega”.
Estou começando “Mulheres que Correm com os Lobos” [da autora Clarissa Pinkola Estés], o “Sapiens” [de Yuval Noah Harari] e “Amada”, do Toni Morrison. E escolhi também uma série para ver.
Eu e o Lázaro conversamos bastante. Como vamos nos relacionar 24 horas por dia? A convivência excessiva é mais desagradável do que agradável. A gente vai ter embate, nem sempre vai ser legal. Se deixar, fico dando ordem o tempo inteiro para as crianças. Corre o risco de eu virar só uma autoritária. Não vou criar conexão nem com meus filhos. Fizemos então um cronograma, com dias e horários para cada serviço da casa. Reservamos tempo para atividades com as crianças, e a hora de eu e o Lázaro vermos um filme juntos, por exemplo. Para ter uma rotina de casal. Não dá pra dizer “amor, o casamento a gente retoma depois da quarentena [risos]”.
A gente está num momento muito instável que pode gerar situações não muito agradáveis. Precisamos ficar atentos para não degringolar toda e qualquer relação.
Medos
Está todo mundo com muito medo. Medo de pegar a doença. De morrer. Medo de alguém que amamos morrer.
Eu tenho uma irmã médica. Ela é obstetra. E nos avisou: eu ainda não fui chamada. Mas, se o sistema colapsar, todos seremos. Temos medo pelos nossos empregos.
Eu entendo todos os meus privilégios: despensa cheia, casa confortável, estamos em uma empresa [Globo] que tem um respiro e pode aguentar. Mas é um medo que vai muito além do meu núcleo familiar.
Meus pais
Os meus pais [Ademir, 75, e Mercedes, 72] estavam separados há 20 anos. Ela aceitou ele de volta por esse tempo. Eu falei: “Mãe, pelo amor de Deus. Vocês vão me matar de preocupação”. Eu mando comida todos os dias para ele.
Como será?
Como será a vida depois? Eu tenho a sensação de que tudo vai mudar. A gente vai sair diferente disso. Não temos como adivinhar. Estamos no meio de um processo. Mas eu espero que consigamos descomplicar, simplificar.
De uma coisas eu sei que não preciso: uma casa desse tamanho. Mesmo.
Quando a gente comprou a casa, ela dizia respeito às nossas vitórias. Era a concretude das nossas conquistas. De dois negros que venceram pelo trabalho, pelo estudo, pela dedicação, num país em que tudo estava ao contrário pra gente. E a gente queria dividir tudo isso com a nossa família, com os nossos amigos, receber todo mundo aqui.
Quando compramos, andamos pela casa inteira. Na área de serviço, o Lázaro dizia “eu saí daqui”. A mãe dele foi empregada doméstica. Ele chorava, eu chorava.
[Taís começa a chorar] Mas o símbolo das nossas conquistas não precisa ser uma casa. A gente não precisa disso tudo. Isso já foi. Tudo vai ressignificar agora. O mundo não quer mais saber de nada disso.