Quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 22 de março de 2020
Que a pandemia de coronavírus dará origem a um período de recessão econômica global parece ponto indiscutível entre os analistas econômicos. Pulando essa etapa, o que sociólogos e economistas discutem na Europa é que papel terão o estado de bem-estar social e a presença de um sistema de saúde amplo, senão universal, na contenção dessa contração e da pandemia.
Ou seja: uma rede de proteção que faça com que o cidadão não precise escolher entre se proteger (e aos demais) e pagar o aluguel e ao mesmo tempo consiga atendimento médico sem ter de se preocupar com a conta a ser paga. Isso reduziria custos ao diminuir as chances de desemprego, de desaquecimento da economia —e de disseminação do novo vírus.
A resposta para muitos é inequívoca: um papel central, talvez superior ao de medidas fiscais e monetárias. “Os Estados do norte e do oeste da Europa, mais inclusivos, com gastos sociais maiores, ampla cobertura de bem-estar e bolsos fiscais relativamente profundos, como Suécia, Dinamarca, Finlândia, Áustria, Alemanha e Holanda, protegeram a população de modo admirável durante a recessão, tanto com políticas para grupos de risco quanto em termos de estabilização macroeconômica.
Eles também recuperaram altos níveis de emprego relativamente rápido”, disse Anton Hemerijck, professor do European University Institute, em relação à crise financeira mundial de 2008. “A crise do coronavírus, como uma crise aguda de saúde, certamente reforçará o imperativo de um estado de bem-estar social revigorado. A resiliência da saúde pública certamente terá consequências políticas.”
Anos de ajuste fiscal originaram níveis distintos de adesão —ou de desmantelamento— do estado de bem-estar, que (ainda) é a marca do modelo social europeu.A pesquisadora Rosie Collington, que vive em Copenhague, explicitou essas diferenças em artigo no jornal britânico The Guardian. “A Dinamarca está ajudando aqueles que não podem trabalhar por causa do coronavírus. Por que o Reino Unido não pode fazer mesmo?”, questionou.
Um parente dela perdeu o emprego num pub na Inglaterra depois que o governo aconselhou a população a evitar contatos sociais “dispensáveis”. Não teve direito a indenização nem licença saúde, mas poderia “tirar férias”, de acordo com seu chefe.
Em contraste, Collington foi informada pela sua universidade de que todos os funcionários e estudantes deveriam iniciar uma quarentena. “Os funcionários receberão seus salários normais durante o período”, dizia a mensagem. “A resposta do governo significa que a maioria dos dinamarqueses não está entrando em pânico. Podemos continuar pagando os aluguéis, e há papel higiênico nos supermercados”, escreveu Collington.
Após uma negociação com sindicatos e patronais, o governo da primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frtederiksen, anunciou um plano pelo qual o Estado cobrirá 75% dos salários mensais pagos por empresas privadas pressionadas pela pandemia, até o limite de cerca de R$ 16,7 mil, durante três meses.
As empresas se comprometeram a pagar o restante, e os trabalhadores abrirão mão de cinco dias de férias. Para trabalhadores contratados por hora, a cobertura estatal dos salários será de 90%. As medidas são retroativas ao início da epidemia. “Os ecos do que estamos fazendo serão ouvidos no futuro. Agora estamos apenas assentando os trilhos para que empresas e trabalhadores atravessem bem a crise”, afirmou Frederiksen.
“Cobrir 75% dos salários parece ser um grande gasto para o Estado, mas é muito menos do que aparenta. Demissões significam perda de arrecadação e aumento de gastos com seguro-desemprego. Ao subsidiar os salários, o Estado tem uma oportunidade de usar o dinheiro em vez de perdê-lo”, disse Bue Rübner Hansen, da Universidade de Aarhus, à revista Jacobin. “Longe de ser uma concessão às empresas, é um investimento na manutenção da confiança econômica e uma tentativa de evitar uma crise ainda mais custosa.”