Sexta-feira, 07 de março de 2025
Por Redação O Sul | 3 de agosto de 2024
O “orçamento secreto” ganhou novas formas no Congresso e continua em pleno vigor, apesar de ter sido proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022. Diante da falta de “comprovação cabal” de que a decisão da corte estava sendo cumprida, o ministro Flávio Dino realizou uma audiência de conciliação sobre o assunto, abrindo caminho para enterrar de vez a prática e exigir total transparência sobre as emendas parlamentares.
A reunião ocorreu em meio ao debate sobre a necessidade de ajuste nas contas públicas e ao crescente volume de recursos destinados às emendas parlamentares, parte do movimento de seu avanço sobre o Orçamento iniciado sob a gestão de Jair Bolsonaro e que continua no governo Lula. Na Lei Orçamentária Anual (LOA), elas somam cerca de R$ 52 bilhões, mais de oito vezes os R$ 6,4 bilhões empenhados em 2014.
Desde que o STF decidiu tornar inconstitucional o uso das emendas de relator (RP9) para a destinação de recursos sem a devida identificação, entidades que fiscalizam os gastos públicos denunciaram que os parlamentares passaram a recorrer a outros mecanismos para manter a prática e nublar a origem das verbas. O desrespeito à determinação contraria os princípios da boa administração pública e ocorre em total descoordenação com projetos prioritários para o País, já que grande parte do dinheiro acaba sendo investida em ações paroquiais nas bases eleitorais de deputados e senadores, com potencial impacto nas eleições de outubro.
Entre as novas roupagens que foram usadas para contornar a proibição do STF está o aumento das “emendas Pix”, modalidade que permite transferências diretas às prefeituras, com desembolso mais rápido, já que não há necessidade de firmar convênio técnico com o governo federal. Em recente nota técnica, a Transparência Brasil destacou que apenas 1% das 941 emendas incorporadas à LOA de 2024 informa o destino e como os recursos serão gastos. O volume de recursos destinado pelo mecanismo também chama a atenção, passando de R$ 3 bilhões em 2022 para R$ 7 bilhões no ano passado. Para este ano, a previsão é de outros R$ 8 bilhões.
Um segundo caminho alternativo que ganhou força com o cerco às RP9 foram as emendas de comissão (RP8), em que os próprios colegiados aparecem como autores dos repasses, ocultando os reais responsáveis pela indicação. Segundo dados apresentados ao STF, o valor autorizado para essa modalidade passou de R$ 329,4 milhões, em 2022, para R$ 15,2 bilhões neste ano. Chamam a atenção a cobiça dos deputados por emendas encaminhadas pela Comissão de Saúde da Câmara e a distribuição desigual desses recursos.
Há ainda o caso do uso dos “restos a pagar” de emendas de relator que já haviam sido reservados pelo Executivo antes da decisão do STF que proibiu a prática. De janeiro a julho, o governo Lula desembolsou R$ 1,1 bilhão pelo mecanismo, segundo a Transparência Brasil.
Persistindo
Ao abrir a audiência de conciliação, que trata de um processo apresentado pelo Psol sobre as emendas de relator, Dino afirmou não ser possível que a prática tornada inconstitucional persista com outros nomes e leis. O encontro ocorreu após o ministro ter enviado pedido de esclarecimentos ao governo e ao Congresso sobre o cumprimento da decisão.
Outra frente de questionamento à falta de transparência foi aberta pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que entrou com uma ação no STF contra trechos da Emenda 105/2019 que instituíram as “emendas Pix”. Em liminar concedida ontem, Dino atendeu parte da reivindicação da entidade e decidiu que a liberação dos recursos só pode ocorrer se os requisitos constitucionais de transparência e rastreabilidade forem atendidos. O ministro também determinou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (TCU) fiscalizem a modalidade. A CGU também deverá auditar as emendas em execução no prazo de 90 dias.
O STF já havia acertado ao proibir o “orçamento secreto” em 2022 e deve garantir que a determinação não vire letra morta. É primordial que a transparência impere e que critérios técnicos -não políticos – sejam seguidos por deputados e senadores na hora de propor emendas parlamentares. O uso paroquial dos recursos, com privilégio a regiões controladas por apadrinhados de membros influentes do Congresso, se configura como um descalabro em um País com tantas carências em diferentes setores. As informações são do jornal Valor Econômico.