Sexta-feira, 13 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 31 de agosto de 2023
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nessa quinta-feira (31) o julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas. O placar está em 4 a 2 contra a tese que dificulta as demarcações. A apreciação do tema será retomada na semana que vem.
A tese do marco temporal estabelece que só pode haver demarcação de terra para comunidades indígenas que ocupavam a área no dia da promulgação da Constituição Federal: 5 de outubro de 1988.
É uma interpretação do artigo 231 da Constituição, que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Indígenas são contra o marco temporal. Afirmam que a posse histórica de uma terra não necessariamente está vinculada ao fato de um povo ter ocupado determinada região em 5 de outubro de 1988. Isso porque, dizem, muitas comunidades são nômades e outras tantas foram retiradas de suas terras pela ditadura militar.
Nessa quinta, o ministro André Mendonça concluiu seu voto, iniciado no dia anterior. Ele foi a favor do marco temporal e sugeriu critérios para aplicação da tese.
Em seguida, o ministro Cristiano Zanin votou contra. O voto foi comemorado pelos indígenas presentes no STF.
“Verifica-se a impossibilidade de se impor qualquer marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem a proteção da posse exclusiva desde o Império”, afirmou Zanin.
A sessão dessa quinta terminou com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, também contrário.
A Câmara dos Deputados aprovou em maio um projeto que estabelece o marco temporal. Mas o texto ainda precisa passar pelo Senado. A decisão do STF pode servir de base para o Senado decidir se vai ou não votar a proposta.
Mendonça
Já Mendonça apresentou uma proposta de tese. O objetivo é sintetizar o entendimento da Corte em relação ao tema.
Há propostas de tese também apresentadas pelo relator, ministro Edson Fachin, e do ministro Alexandre de Moraes, a serem avaliadas pelos demais ministros.
Mendonça votou no sentido de considerar válido o uso do marco temporal como um critério para a definição de áreas destinadas aos povos originários.
O ministro propôs os seguintes critérios:
* O marco temporal em si:
O uso do marco temporal – 5 de outubro de 1988 – para avaliação sobre se há direitos originários indígenas sobre as terras reivindicadas;
* Em caso de conflito no dia 5 de outubro de 1988:
Os direitos indígenas sobre as áreas serão assegurados em caso de conflito pela posse da terra de forma persistente na data da promulgação da Constituição. Este conflito pode ser físico ou judicial.
Zanin
O ministro Cristiano Zanin desempatou o julgamento, ao conceder o terceiro voto contra a validade do marco temporal na demarcação de terras indígenas
Para o ministro, o “direito congênito” dos indígenas à posse da terra que ocupam tradicionalmente foi garantido em regras no Império e nas Constituições do período republicano, desde 1934.
Além disso, a teoria do indigenato (que assegura o direito aos povos originários) é também prevista em convenções internacionais.
Para Zanin, a demarcação é um ato declaratório, ou seja, que constata um direito que já existe. Mesmo que a terra ainda não esteja demarcada, o reconhecimento posterior não diminui a força deste direito.
O ministro citou que a Constituição previa prazo de 5 anos para a União realizar as demarcações, que não foi cumprido. Diante disso, afirmou que a União deve conferir prioridade às demarcações.
Para ele, além das indenizações de boa-fé para os que ocupavam as regiões de povos indígenas, é cabível também responsabilizar o Poder Público por ter concedido a terra indevidamente aos ocupantes atuais. Mas essa responsabilidade – que pode alcançar União, estados e município – deve ser verificada caso a caso. Se for configurada, pode gerar uma indenização além da que prevista pelas benfeitorias de boa-fé.
Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso apresentou o quarto voto contra o uso do marco temporal como critério para a demarcação.
Barroso lembrou o julgamento do caso de Raposa Serra do Sol. Assim como Cristiano Zanin, observou que, naquela ocasião, os indígenas não estavam ocupando a área reivindicada, o que mostra que há outras formas de verificar a ocupação tradicional.
“Eu extraio da decisão de Raposa Serra do Sol a visão de que não existe um marco temporal fixo e inexorável e que a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos”.