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Por Redação O Sul | 5 de setembro de 2020
Fazer reformas estruturais na política do Líbano e, ao mesmo tempo, guiar a nação árabe para o fim de sua pior crise econômica em décadas. É esta a tarefa que espera o recém-nomeado primeiro-ministro do Líbano, Mustapha Adib. Em suma, há dois grandes desafios que precisa enfrentar: atender as demandas da comunidade internacional e da população, que reivindicam o fim do sistema confessional, que divide por religiões os cargos ocupados nos Poderes Executivo e Legislativo; e negociar um pacote de ajuda financeira com Fundo Monetário Internacional (FMI).
Na prática, ambos estão relacionados. De acordo com o escritor e pesquisador Roberto Khatlab, da Universidade de Notre Dame, no Líbano, os países europeus, principalmente a França, já demonstraram interesse em ajudar a nação árabe nas negociações com o FMI. Porém, isso só será feito caso o governo faça as reformas necessárias para diminuir a insatisfação política e acabar com a corrupção no Líbano — o próprio presidente francês, Emmanuel Macron, alertou que, se isso não for feito, não haverá ajuda internacional.
Para Khatlab, a escolha de Adib passou por essas duas questões: o novo premier, que era embaixador na Alemanha, tem uma boa relação com as autoridades do Velho Continente, especialmente pela sua experiência de sete anos à frente da representação diplomática libanesa em Berlim. E, por ser um nome pouco conhecido na política libanesa, é visto como alguém sem ligação com os partidos tradicionais do país, rejeitados nas manifestações que eclodiram em outubro do ano passado e foram reacendidas após a explosão no Porto de Beirute, que deixou ao menos 190 mortos e 6.500 feridos e completou um mês na sexta-feira (4).
“Ele é uma pessoa capaz e tem bons contatos, principalmente na França. É também um nome desconhecido do público que, apesar de ter tido um grande apoio no Parlamento, é visto como alguém que não tem ligação com os partidos políticos. No entanto, ele precisará mostrar essa capacidade na prática e transformar o seu discurso em ações”, ponderou o pesquisador. “Adib tem 15 dias, contados a partir de 1º de setembro, para montar o seu Gabinete. Ele precisa ter liberdade para montar uma equipe de tecnocratas, focada na mudança.”
Adib, um muçulmano sunita, foi eleito com 90 dos 120 votos do Parlamento libanês e recebeu o apoio tanto do grupo xiita Hezbollah e seus aliados no Movimento Patriótico Livre, do presidente Michel Aoun, que é cristão maronita, quanto do Movimento Amal e o Movimento do Futuro, do ex-premier Saad Hariri, junto com diversos blocos menores.
Logo após assumir o cargo, o premier foi às ruas visitar áreas destruídas pela explosão — o que, para Khatlab, significou já um indício de mudança, pois poucos políticos libaneses vão em encontro à população. Porém, sua nomeação não agradou a todos e Adib foi recepcionado com gritos de “revolução” e pedidos por reformas. Para o jovem Rami Boustani, da Agência Francesa de Desenvolvimento no Líbano, o primeiro-ministro vem da mesma classe dominante do país.
Crise financeira
A insatisfação política, que se materializou em tumultuados protestos pela capital e demais regiões do país, se intensificaram após o incidente de 4 de agosto, que destruiu o principal porto do Líbano, por onde entrava a grande maioria das importações das quais a nação árabe dependia para sua subsistência. Com a explosão causando um prejuízo estimado em ao menos US$ 10 bilhões, a crise financeira se agravou ainda mais, num cenário que já tinha como estimativa que 52% da população passassem a viver a baixo da linha da pobreza até o fim do ano, segundo o Banco Mundial.
“A situação já estava muito difícil antes da explosão. Muitas famílias já tinham perdido sua renda e estavam com dificuldades de comprar comida. Por exemplo, com a inflação, o leite que custava mil libras libanesas em um dia, no seguinte já estava custando 43 mil. Ninguém tinha dinheiro para comprar nada”, explica Boustani.
Segundo o relatório mais recente do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas, além de o Líbano ter uma alta taxa de desemprego — quase um a cada três libaneses está sem emprego — o país enfrenta uma hiperinflação de 52% ao mês. O documento mostra também que duas a cada três famílias libanesas tiveram uma redução drástica na renda em comparação com o ano anterior — seja por terem perdido o trabalho ou por terem o salário reduzido. Os mais afetados foram mulheres e jovens de 20 a 34 anos.
Reforma política
Para além do crítico cenário econômico, Adib terá que enfrentar uma questão histórica do Líbano: o sistema político confessional. As cadeiras do Legislativo e os principais cargos do Executivo são distribuídos entre representantes das religiões majoritárias no país. O presidente é sempre um cristão, o primeiro-ministro, um muçulmano sunita, e o presidente do Parlamento, um muçulmano xiita.