Domingo, 19 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 25 de junho de 2019
Reunida em audiência pública nesta semana, a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul debateu uma questão polêmica: a educação domiciliar como modalidade a ser reconhecida no Estado. Trata-se de uma forma de ensino em que pais ou tutores assumem o papel de professores, sem que a escola seja a única responsável pelo processo de aprendizagem de crianças e adolescentes.
O tema da audiência foi proposto pelos deputados Fábio Ostermann (Novo) e Tiago Simon (MDB) a fim de ampliar o debate sobre o Projeto-de-Lei 170/2019, de autoria de Ostermann e que prevê a permissão à modalidade (que não é regulamentada no Brasil). Para isso, dizem seus defensores, seriam observadas a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios dos sistemas de ensino.
Recentemente, o Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) negou provimento ao RE (Recurso Extraordinário) 888815, com repercussão geral reconhecida, no qual se discutia a possibilidade de o ensino domiciliar ser considerado como meio lícito de cumprimento, pela família, do dever de prover educação.
Segundo a fundamentação adotada pela maioria dos ministros, o pedido formulado no recurso não pode ser acolhido, uma vez que não há legislação que regulamente preceitos e regras aplicáveis a essa modalidade de ensino.
No entanto, o STF também definiu que a prática da educação domiciliar não estaria vedada, exigindo que para sua regular implementação o Poder Legislativo garantisse as ferramentas necessárias à fiscalização do ensino ministrado. Hoje, muitos pais que optam por esse tipo de aprendizado são denunciados e, inclusive, condenados judicialmente a matricular seus filhos na escola.
Conforme o presidente da Aned (Associação Nacional de Ensino Domiciliar), Rick Dias, “o Rio Grande do Sul é o Estado com maior perseguição às famílias educadoras”. Ele pediu que promotores, juízes e procuradores tratem com dignidade os núcleos residenciais que se dedicam a essa alternativa. Ele acrescentou que a modalidade é regulamentada em 64 países de cinco continentes.
Já a representante do MPE (Ministério Público Estadual), Luciana Casarotto, disse que, enquanto não for regulamentada a educação domiciliar, o MP não vai abrir mão da atribuição do Estado nessa área: “Como instituição, não podemos abrir mão de uma educação obrigatória e com frequências nas escolas. Tutelamos o direito à educação de cada criança, mesmo contra a opinião de seus pais. Assim estabelece a Constituição brasileira”.
O professor e procurador do Estado do Paraná, Carlos Eduardo Rangel Xavier, lembrou que a missão institucional do Ministério Público é a proteção integral das crianças. Ele observou, no entanto, que esta também é a preocupação das famílias educadoras. Sobre a constitucionalidade de projetos de lei estaduais, ele afirmou que o artigo 24 da Constituição Federal estabelece a educação e o ensino como tema de legislação concorrente, como as estaduais.
Para o procurador, a própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases) esclarece que trata de educação escolar, retirando a educação domiciliar desse âmbito: “Assim, teríamos a União a estabelecer normas gerais e os estados a legislarem concomitantemente, de forma suplementar. Ainda segundo ele, enquanto não houver lei federal sobre um assunto, os estados exercem competência legislativa plena”.
Para a deputada Sofia Cavedon (PT), a primeira questão é que o direito de educação dos filhos é também uma obrigação das famílias. “Quem apoia o ‘homeshooling’ quer o direito de não levar seus filhos à escola” e essa questão não aparece na discussão”, critica.
Já Fábio Ostermann acredita que um dos problemas que inviabilizam a educação no País é a insistência em buscar as mesmas soluções que vêm dando errado. Para ele, a ideia da educação domiciliar não é a de substituir a educação regular e tradicional. “A ideia não é abolir a educação tradicional”, argumentou. “Não é um modelo, em princípio, para ser massificado.”
Vício de origem
Ao analisar o projeto-de-lei 170/2019, a presidente do Conselho Estadual de Educação, Sônia Veríssimo, destacou que o artigo 208 da Constituição Federal impõe como dever do Estado a frequência à escola formal. Ainda segundo ela, a LDB também incumbe ao Poder Público a tarefa de zelar junto aos responsáveis pela frequência à escola, e aos pais impõe a matrícula e a frequência da criança na rede escolar.
Sônia alertou que tal acréscimo tem implicações diretas no orçamento e na estruturação das secretarias, o que pode macular o projeto com o chamado vício de origem, já que se configuraria como invasão de competência reservada ao Executivo.
(Marcello Campos)