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Tito Guarniere O monstro ao lado

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Série da Netflix, O monstro ao lado conta a história do ucraniano John Demjanjuk, que emigrou para os EUA e lá obteve a cidadania americana. (Foto: Divulgação)

O título acima é de uma série da Netflix que conta a história do ucraniano John Demjanjuk, que emigrou para os EUA e lá obteve a cidadania americana. Era empregado da Ford de Cleveland, Ohio, frequentava a igreja e era respeitado pelos colegas de fábrica e na comunidade local de imigrantes da Ucrânia.

De repente a sua vida mudou: acusaram-no de ser Ivan, o Terrível, um psicopata nazista, operador do campo de gás de Treblinka, na Polônia. Ele alegou que se tratava de uma confusão de identidade.

Os Estados Unidos decidem, então, deportá-lo a Israel para responder pelos seus crimes. E lá, inicialmente em um tribunal de Jerusalém, ele começou a saga, cheia de surpresas e reviravoltas, e que vale a pena ver para – no mínimo – descobrir como é delicado e como exige cuidados especiais apontar o dedo acusador para outro ser humano: a verdade é fugaz. Quando parece finalmente revelada surge um fato novo que altera o rumo dos acontecimentos, mantendo o suspense: seria John Demjanjuk Ivan, o Terrível, o celerado nazista de Treblinka, ou um homem inocente, confundido com outra pessoa?

Não vou dar “spoiler”. Demjanjuk, no período em que foi viver nos EUA, e por tudo o que dele se sabia, era um avô pacato, gentil e educado, trabalhador pontual e aplicado, cumpridor dos seus deveres comunitários, e praticante da religião. Um modelo de normalidade.

Os seus familiares e amigos defenderam-no: era impossível que o homem de família, trabalhador exemplar, pudesse ter cometido os crimes terríveis de que era acusado.

Mas uma coisa era provada: ele tinha sido guarda nazista em outro campo de extermínio, Sobibor. Talvez não fosse Ivan, o Terrível, mas se ele esteve em Sobibor, exibindo um uniforme com a suástica, não era inocente da tragédia que vitimou seis milhões de judeus, ciganos, homossexuais, portadores de deficiência e opositores políticos do Reich.

Portanto, há dois John Damjanjuk, o nazista que compactuou e de alguma maneira ajudou no morticínio (em Sobibor), e um exemplar cidadão e chefe de família (em Cleveland). Tudo lembra a escritora judia, refugiada da Alemanha, Hannah Arendt e a sua celebrada série de cinco artigos para a revista New Yorker, sobre o julgamento de Adolf Eichmann em Israel. Encarando o criminoso nazista no banco dos réus, Arendt se deparou não com um monstro de arrogância, como esperava, mas com um burocrata sem brilho, que cumpria bovinamente as ordens mais abjetas dos seus superiores.

Como assinalou Arendt, o carrasco nazista aparentava ser “abominável e terrivelmente normal”, de uma “normalidade aterrorizante”.

Nas tiranias o mal se torna de tal forma asfixiante que contamina até mesmo a alma dos homens comuns, pacatos, tornando-os cruéis, sádicos, impiedosos, capazes de assassinar a sangue frio, nas câmaras de gás ou a tiros, milhões de seres humanos – homens, mulheres, idosos, crianças –inermes e indefesos.

Se Hannah Arendt fosse viva à época, teria diante de si mais uma demonstração de banalidade do mal, a inquietante e aterradora teoria formulada de forma brilhante pela escritora.

 

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