Sábado, 17 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 16 de maio de 2025
Preparar comida no fogão à lenha não é saudável, polui o meio ambiente, afasta mulheres do mercado de trabalho e crianças da escola. Essa é a conclusão de uma pesquisa que mapeou a pobreza energética no Brasil a partir de entrevistas com especialistas da saúde, do setor de energia e com pessoas afetadas pelo problema pelo país, com dados de 2022 e 2023.
Segundo o estudo da Plataforma de Transição Justa, com curadoria da Agenda Pública, embora quase 100% dos lares brasileiros tenham gás de botijão ou encanado, 17% fazem uso de lenha ou carvão para cozinhar, em combinação com eletricidade (98%) e botijão (52%).
São 12,7 milhões de brasileiros enquadrados na chamada pobreza energética —quando há acesso inadequado a fonte de energia.
Caso de Patrícia Soares, 53, moradora de Pedra Azul, no norte de Minas Gerais. Todo sábado, ela e os filhos acordam às 5h e caminham 40 minutos até uma mata para “caçar lenha” com foice e facão.
“Com o dinheiro do gás a gente compra um remédio, carne e arroz, paga uma conta de luz. Uso gás só para fazer café ou esquentar a janta. Tanto que o botijão aqui em casa dura seis meses e já durou até um ano”, afirma Soares, que é viúva e mãe de nove filhos.
O calor no local onde ela cozinha é forte. “Junta a quentura do fogão e das telhas quando o sol está quente, a gente fica agoniada, meio tonta”, diz.
A pesquisa apontou que, em 2022, 30% dos lares da região Norte, 28% do Sul e 24% do Nordeste utilizavam lenha no preparo das refeições. No Sudeste, eram 8% dos domicílios nesta condição —incluindo locais urbanizados onde a lenha é feita de gravetos, sobras de feiras e restos de papelão.
“A face mais dramática da pobreza energética é a falta de gás. E ela tem rosto feminino. Mulheres cozinham com lenha porque não têm escolha”, diz Sergio Andrade, diretor-executivo da Agenda Pública e coordenador geral da pesquisa.
“São 18 horas por semana catando lenha, além da inalação da fumaça que gera problemas de saúde que vão de dores na coluna a doenças pulmonares”, diz ele.
A cocção com lenha emite gases como monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, formaldeído e benzopireno. Partículas que inflamam vias respiratórias e pulmões, prejudicam o sistema imunológico e reduzem a capacidade de transporte de oxigênio do sangue.
Em 2020, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, 3,2 milhões de pessoas em todo o mundo morreram devido a essa poluição doméstica – que é pouco conhecida, segundo Carlos Ragazzo, professor da Fundação Getulio Vargas.
“Você tem um problema de informação e outro de hábito. Pessoas de baixa renda estão acostumadas há gerações a cozinhar assim e não sabem do risco da lenha para sua saúde e de seus filhos, que ficam no mesmo ambiente fechado e insalubre”, afirma ele.
Em uma pesquisa encomendada pelo Sindigás a Ragazzo, produzida em 2024, o professor avaliou o impacto de políticas como o Gás para Todos (antigo Auxílio Gás), criado na pandemia de Covid-19, quando houve escalada da fome e do uso de lenha e álcool para cocção de alimentos no país.
O programa atualmente custeia a compra de botijão de gás de 13 quilos para 5,4 milhões de famílias e passa por redesenho em uma tentativa de o governo Lula (PT) baratear o preço da energia para os mais pobres.
O presidente deve anunciar, em breve, auxílio-gás para 20 milhões de famílias ao custo de R$ 5 bilhões para os cofres públicos. A ideia é criar um voucher específico para o gás.
“Seria preciso garantir que o dinheiro esteja carimbado para aquele uso, ou seja, a pessoa recebe o benefício na medida em que compra o botijão”, afirma o professor.
Países como Peru, Colômbia e Índia, diz Ragazzo, fizeram este movimento de atrelar o recurso à compra do GLP, aumentando o uso do gás para cocção nas residências. E usaram outro componente essencial: campanhas de conscientização, geralmente em parceria com lideranças comunitárias.
“É uma maneira eficiente de educar as pessoas sobre os malefícios do uso da lenha e fazer elas migrarem para outra fonte de energia”, afirma ele.
Em ano de COP30 no Brasil, quando mudança climática e transição energética estarão na agenda da corte, a Plataforma Transição Justa faz as contas do desperdício: substituir lenha por eletricidade poderia economizar 34 minutos por dia e até US$ 62 por ano por família.
“Não tem uma solução definitiva, mas precisamos de programas sociais mais focalizados que deem conta dessa pobreza multidimensional”, diz Sergio Andrade. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.