Sábado, 18 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 3 de outubro de 2020
“Eu não conheço uma mulher que não tenha passado por algum episódio de abuso”, afirma Ana Paula Araújo. Ao perceber que a violência sexual faz parte da vida de todas as mulheres, a jornalista decidiu mergulhar em uma investigação para tentar fazer um retrato do que permite que essa realidade se perpetue no País que registra um estupro a cada onze minutos. Depois de quatro anos de trabalho e mais de uma centena de entrevistas, ela lança, em 5 de outubro, o livro “Abuso: a cultura do estupro no Brasil”.
“Seja um estupro mais violento ou pequenos abusos no dia a dia, dentro do transporte público, as piadinhas absurdas, aquele tio que se aproveita para passar a mão na hora de um abraço, o abuso sexual é um fantasma na vida de todas nós. Ou a mulher já passou por isso e tenta superar o trauma ou está sempre com medo, desviando dessas situações”, afirma a jornalista, que define a cultura do estupro como “um conjunto de crenças machistas que validam o estupro e a violência sexual.”
Ao longo de quatro anos, nos intervalos da sua rotina como apresentadora do Bom Dia Brasil, as coberturas da Copa do Mundo, na Rússia, e as eleições presidenciais de 2018, Araújo revisitou casos emblemáticos de violência sexual e entrevistou mais de uma centena de pessoas, entre sobreviventes de estupro, familiares, médicos, juristas, especialistas em segurança pública e em transtorno de estresse pós-traumático, que é uma das sequelas mais comuns entre as vítimas, e até mesmo os próprios estupradores condenados, que conversaram com ela de dentro da prisão. O livro conta com pesquisa do também jornalista Marcos Di Genova, que acompanhou Araújo nas viagens.
O fortalecimento do movimento de mulheres, que nos últimos anos passou a denunciar cada vez mais a cultura do estupro e a violência de gênero, foi o que a motivou a mergulhar nessa investigação. Ela espera que o livro contribua para o debate e sirva como um legado para que a geração de sua filha, hoje com 14 anos, viva em um futuro onde as mulheres “possam se desenvolver e crescer sem ter esse medo constante.”
“Me deixou muito triste constatar que o estupro é o único crime em que as vítimas é que sentem vergonha. As pessoas que sofrem violência sexual têm vergonha de falar, como se elas que tivessem cometido um crime. Eu conto no livro um episódio que aconteceu comigo no transporte público, e mesmo esse episódio sendo relativamente bobo perto de tantas histórias horrorosas, eu fiquei super constrangida de contar”, diz Araújo, afirmando que levou meses para decidir se compartilharia ou não a sua vivência no livro.
“Foi um grande dilema. Durante meses, pensei se me mantinha apenas como jornalista observadora ou se me expunha e até que ponto eu me expunha. Até que cheguei a conclusão que precisava me expor para as pessoas não acharem que eu falava de um ponto de vista de alguém que nunca sofreu nada parecido e não consegue entender o que é. Escolhi essa história por pensar que é a mais corriqueira. Toda mulher que usa transporte público já passou por alguma situação assim”, conta a jornalista, se referindo ao episódio relatado no livro, sobre o dia em que acordou de um cochilo dentro de um ônibus no Rio de Janeiro com as mãos de um homem desconhecido nas suas coxas.
A culpa nunca é da vítima
Algo que surpreendeu a jornalista durante a apuração foi o fato de que muitas sobreviventes de violência sexual que tinham denunciado os crimes não sentiam raiva ou rancor de seus agressores, mas sim de representantes das instituições públicas que em algum momento as culpabilizaram pela agressão que sofreram.
“Me chamou a atenção ver como as vítimas que prestam queixa têm geralmente uma mágoa muito maior das instituições que não as acolheram bem do que do próprio estuprador”, conta.