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Por Redação O Sul | 17 de janeiro de 2021
Durante quatro anos, o presidente Donald Trump foi cobrado publicamente por inflamar extremistas, incentivar o nacionalismo e se recusar a condenar o racismo nos Estados Unidos. Em seu mandato, especialistas e políticos de oposição alertaram para o crescimento da intolerância no país, que foi às urnas em novembro sob temor de violência civil.
As cenas da invasão do Capitólio por extremistas pró-Trump explicitam o crescimento da tensão de um país que espera viver dias mais calmos com a posse de Joe Biden, na quarta-feira (20), mas carregará as cicatrizes da divisão.
“Tirar a figura polarizadora por si só não apagará a polarização e a divisão”, afirma Jennifer McCoy, professora de ciência política da Universidade do Estado da Geórgia e especialista em democracia e polarização. “A desconfiança e a antipatia entre os dois partidos permanecerão e os apoiadores de Trump continuarão a se sentir enganados pelos democratas e por republicanos que consideram fracos e desleais”, afirma.
Desde 2019, especialistas têm apontado o crescimento nos EUA dos grupos extremistas que defendem o nacionalismo e a supremacia branca – em oposição a negros, judeus e muçulmanos.
Durante seu mandato, Trump encorajou extremistas de direita e buscou normalizar ataques, comparando atos de racismo com manifestações comuns. Depois da invasão ao Congresso americano no dia em que os deputados certificaram a eleição de Biden, o esquema de segurança em Washington foi redobrado. A região do National Mall, onde fica o Congresso, teve seus acessos fechados pelo serviço secreto. O AirBnB interrompeu as reservas na cidade para dificultar a hospedagem de extremistas na capital americana e aeroportos terão fiscalização extra de armas em bagagens.
Mas a polarização na sociedade americana extrapola os limites dos grupos extremistas. Na véspera da eleição, pesquisa do instituto Pew Research mostrou que eleitores democratas e republicanos não costumam dialogar: oito em cada dez americanos dizem que não têm nenhum ou têm apenas “alguns” conhecidos que votariam em um candidato diferente.
A plataforma política de Biden e sua vice, Kamala Harris, foi centrada na promessa de “curar” o país do que o democrata chamou de “era da demonização” e das divisões. Biden prometeu trabalhar pelos eleitores de Trump tanto quanto para os seus. Mas mesmo dentro do Partido Democrata – e entre eleitores no curso da campanha – a convergência em torno do nome de Biden tinha um foco: vencer Trump. A partir da chegada ao poder, o democrata deve enfrentar os dilemas de uma sociedade profundamente dividida, em que mesmo a sua base eleitoral convergiu apenas temporariamente.
“Não querer o drama que Trump causa, as tempestades provocadas por ele no Twitter, é diferente de trabalhar pela unificação. A polarização extrema não é novidade na sociedade americana”, afirma Gary Nordlinger, estrategista político e professor da American University, em Washington.
Para Christian Davenport, professor de ciência política da Universidade de Michigan, e Jennifer McCoy, enfrentar a divisão da sociedade exige reduzir a desigualdade econômica no país.
A vantagem, diz Davenport, é que durante o governo Trump houve mais ativismo social e conscientização sobre a importância da democracia. “Se eles não resolverem as queixas que deram origem a uma figura como Trump – desemprego, salários estagnados e desigualdade, outra figura como ele vai emergir”, afirma McCoy.
Segundo ela, os republicanos também terão papel decisivo no apoio ao futuro governo e as consequências para os cidadãos. “Os republicanos vão obstruir a agenda do Biden, como fizeram com Obama, e lançar mão de mais tentativas de supressão do voto para ganhar poder restringindo a votação em seus oponentes?”, questiona a professora.
“Aprendemos mais sobre democracia e instituições do que durante o mandato de Obama. Em parte, porque muitas pessoas sentaram e ficaram esperando que Obama resolvesse os problemas na época. A parte negativa é que muito dessa conversa de unificação foi em torno de como tirar Trump em vez de como enfrentar o problema, as desigualdades”, afirma Davenport.
Apesar da derrota na eleição, Trump conseguiu ampliar sua base eleitoral e conquistar 11 milhões de votos a mais do que obteve em 2016. Com 74 milhões de votos (46,8% dos eleitores de novembro), o republicano é cotado como favorito do Partido Republicano para a disputa presidencial de 2024 e seu capital político se tornou uma ameaça a parlamentares da sigla, que hesitaram em reconhecer a vitória de Biden.