Segunda-feira, 14 de julho de 2025
Por Tito Guarniere | 24 de abril de 2021
Em artigo anterior defendo que a velha divisão entre esquerda e direita é insuficiente para delimitar os termos do debate teórico, e para obter uma melhor compreensão dos fenômenos sociais e econômicos. Não sou o único a fazê-lo.
Não poderia ser diferente: como uma bipartição arbitrária, feita há mais de dois séculos, baseada na posição de bancadas na Assembleia Nacional Francesa, após a Revolução de 1789, poderia, ainda hoje, conter toda a rica abrangência e complexidade dos modelos teóricos, tantas foram as alternativas e mudanças que moveram o mundo desde então?
Dou-lhes exemplos próximos. Os conceitos de esquerda e direita envolvem questões como de moral e comportamento, família e educação, mas o eixo principal de distinção é a economia. Pode ser surpreendente, mas a maioria dos votos do deputado federal Jair Bolsonaro, ao longo dos seus 26 anos de mandato na Câmara, nos projetos de interesse dos servidores públicos e dos trabalhadores do setor privado, foram exatamente iguais aos votos do PT. Não deveriam ser diametralmente opostos?
A social-democracia é uma das derivações do socialismo puro – a esquerda por excelência. O PT, na estratégia de ficar sozinho e sem rivais no campo “democrático e progressista”, tomou o PSDB como vilão histórico. No projeto de poder petista era preciso criar o seu antípoda, o inimigo a combater sem tréguas. Assim, o PSDB foi batizado e crismado de neoliberal, uma vertente presumivelmente mais maligna da direita. Abriu-se o caminho para a direita verdadeira e a ascensão de Bolsonaro.
A esquerda gosta de chamar a si mesma de “progressista”. Para ver o quanto esse tipo de divisão é enganoso, basta dizer que aqui no Brasil o Partido Progressista (PP) é derivado da ARENA da ditadura militar e do PDS de Paulo Maluf, e componente ilustre do Centrão.
As coisas se misturam e confundem. Se você é contra o desarmamento e a pena de morte, você é de esquerda. Mas é de direita se for favorável à maioridade penal aos 16 anos – mesmo argumentando que não há nenhuma lógica em considerar que um menor de 16 anos possa ter discernimento para votar e eleger seus governantes, mas não para discernir que é crime o roubo, o tráfico de drogas, o assalto à mão armada.
Você é de direita – e mais do que isso um neoliberal infame – se defender a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma limitação mais do que razoável para o governante que gasta além da receita. E também será da direita se for a favor de qualquer privatização, mesmo que a empresa a ser privatizada seja inútil, ineficiente, deficitária e fonte permanente de arranjos não republicanos.
E você será ou continuará de esquerda se fizer a defesa incondicional do papel do Estado, mesmo sabendo (ou o que é pior sem saber) que não existem povos totalitários, sociedades totalitárias – só existem Estados totalitários. Mesmo sabendo (ou o que é pior não sabendo) que “tutto nello stato, niente contro lo stato, nulla al di fuora dello stato”, tudo no estado, nada contra o estado, nada fora do estado, é um emblemático e conhecido lema do fascismo.
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