Quinta-feira, 19 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 3 de julho de 2021
Sorrindo por trás da máscara cirúrgica, o infectologista Luiz Carlos Pereira Júnior não escondia a animação. “Só queria agradecer mesmo pela participação”, disse ele a Edgar Gonçalves, 27 anos, assistente social que aguardava ser chamado a uma das salas do 1º andar do Centro de Pesquisa do Emilio Ribas. A felicidade do diretor técnico de um dos maiores centros de infectologia do país é mais do que justa: Gonçalves tem chance de 50% de receber a primeira dose de uma vacina experimental que pode prevenir a infecção pelo vírus HIV.
O jovem é um dos voluntários selecionados para o Estudo Mosaico, patrocinado pela Janssen e realizado em mais sete países (Argentina, Itália, México, Peru, Polônia, Espanha e EUA). Em São Paulo, fora o Instituto Emílio Ribas, o Hospital das Clínicas e o Centro de Referência de Tratamento também têm recebido voluntários para descobrir se um regime de vacinas desenvolvido pela Johnson & Johnson será seguro e eficaz no combate ao HIV.
São duas as vacinas analisadas pelo estudo, atualmente em testes de fase 3. Seu uso irrestrito ainda não está aprovado. Assim como todo estudo, os voluntários são divididos em dois grupos: os que recebem a dose de placebo e os que recebem as vacinas experimentais. Inicialmente, 66 vagas foram abertas, mas esse número poderá chegar a 140 participantes.
A seringa já vem pronta com a dose. As únicas pessoas que sabem se ela está preenchida com o placebo ou a vacina são as farmacêuticas envolvidas no estudo. Em uma bolsinha térmica, a seringa é transportada pelos corredores sóbrios, banhados pela luz fria impessoal do Emílio Ribas, e vai direto para as mãos da enfermeira que aplicou a dose no braço de Gonçalves.
O processo demorou segundos. Gonçalves sorri enquanto conversa com a equipe do estudo, não poupando a ansiedade. Essa é a segunda visita do assistente social de Recife (PE) ao Emílio Ribas.
Edgar Gonçalves ficou sabendo do estudo por meio de amigos que convivem com o HIV e não quis perder a chance de contribuir com um algo que pode mudar a vida de milhões de pessoas da comunidade LGBTQIA+, inclusive a dele. “Sempre crescemos com essa sombra da doença nas nossas costas, e agora, finalmente será possível mudar essa história”, afirma. Após ser dispensado, o jovem voltará mais três vezes ao centro, no intervalo de um ano e meio, para receber outras três doses restantes.
“Sensação muito louca”
No labirinto de corredores pintados com cores estéreis, no melhor estilo que a decoração hospitalar pode proporcionar, pôsteres coloridos com reproduções de obras do artista norte-americano Keith Haring (1958-1990) quebram a monotonia e dão pistas a outro voluntário de que está no lugar certo.
Essa foi a primeira visita de Pedro Diogo, 30, engenheiro de vendas. Ele preencheu um formulário pela internet e foi chamado pelo Estudo Mosaico para iniciar rigoroso processo de triagem para definir se poderá participar como voluntário.
“É uma sensação muito louca estar aqui. Mesmo se não for selecionado, valeu pela chance”, contou Diogo, enquanto ajeitava os cabelos castanho-escuros. Assim como Gonçalves, ficou sabendo do estudo por meio de um amigo que convive com o HIV.
A triagem de voluntários não é simples. É preciso ser HIV negativo, homem cisgênero ou pessoa trans que faz sexo com homens cisgêneros e/ou pessoas trans e ter entre 18 a 60 anos. Cumprindo os requisitos básicos, o selecionado passa por uma bateria de entrevistas com educadores comunitários, psicológicos, enfermeiros e médicos para definirem se ele é elegível.
Segundo Lorena Henn, coordenadora de educação comunitária do estudo, nem sempre quem passa pela triagem vira voluntário. Mas entrar em contato com o grupo é também uma chance de ser apresentado a outras formas de profilaxia eficazes contra a infecção, como o PrEP (profilaxia pré-exposição), que possui 99% de eficácia.