Terça-feira, 06 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 27 de novembro de 2022
Em um mundo cada vez mais conectado, Josielle Soares vai na contramão: ela vive há quase dois anos sem celular. “É importante estar conectado, mas não de uma forma em que você se perde para dar conta de tudo”, explica. A decisão veio depois que seu antigo smartphone quebrou. Sem dinheiro para comprar outro, ela optou por um novo estilo de vida.
Desde que saiu da casa dos pais e passou a pagar as contas com o próprio salário, Josielle, de 28 anos, aprendeu que seria necessário controlar seus gastos. “Eu já queria ficar sem celular e, quando ele quebrou, a questão financeira foi um ponto importante para mim”, conta ela, que trabalha na rádio universitária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A pressão e o estresse do trabalho remoto também foram decisivos. “Os horários ficaram muito bagunçados. Eu recebia demandas às 20h e não conseguia aproveitar o momento de descanso porque estava pensando em trabalho”, diz. A saída foi abandonar o smartphone.
Mesmo que já quisesse levar uma vida menos conectada, Josielle reconhece as dificuldades dos primeiros momentos sem seu celular. “Você não sabe exatamente o que é, mas fica com a sensação de que está perdendo algo”, relata. Ela continuou acompanhando as notícias pela televisão e pelo computador, mas isso não era suficiente para suprir a falta do smartphone. “Será que está acontecendo alguma coisa com alguém?”, pensava.
Vício
“Isso acontece porque seu cérebro está sentindo falta do que ele estava acostumado a ter. Ele sente falta do que alimentava o vício”, alerta a neurocientista Claudia Feitosa-Santana. De acordo com ela, há uma série de mecanismos e neurotransmissores envolvidos nesse processo de dependência do celular. “É por isso que muitas pessoas não conseguem ter uma vida normal se não tiverem acesso ao smartphone, mesmo que elas queiram”, afirma.
Ocupar a mente com atividades fora do ambiente digital foi a solução no caso de Josielle. “Eu voltei para atividades que eu gostava muito e que tinha deixado de lado, como tocar violão. Era a minha terapia”, lembra. “Eu descobri que existe um outro caminho em que a gente não precisa estar com o celular para que as coisas funcionem.”
Desde então, Josielle acredita que ganhou mais saúde. “Acho que eu reduzi bastante minha ansiedade e até a possibilidade de depressão por não estar o tempo todo no celular”. Além disso, hoje ela lida melhor com a possibilidade de estar perdendo alguma coisa e sente que está menos propensa a se sentir sozinha. “O afeto físico tem mais valor para mim hoje.”
Ainda que ela não descarte a possibilidade de voltar a ter um smartphone no futuro, Josielle vive bem longe dele. “Quando eu digo que não tenho um celular as pessoas acham estranho, mas conforme vão convivendo comigo percebem que estou vivendo bem assim.”
Ponto fora da curva
Um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela que no Brasil existem mais smartphones em uso do que pessoas. São 242 milhões de celulares, enquanto, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é de 215,1 milhões de pessoas. “Isso é reflexo de um fenômeno de digitalização da moeda, do trabalho e da educação”, explica Fernando Meirelles, professor da FGV e coordenador da pesquisa.
Essa digitalização também aparece nos dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD Contínua TIC), realizada no 4º trimestre de 2021. O levantamento mostra que a internet está presente em 90% dos domicílios do País e que o celular é o principal dispositivo de acesso à internet em casa, sendo utilizado em 99,5% dos domicílios com internet.
Vivendo desde dezembro de 2020 sem seu smartphone, Josielle relata que a maior dificuldade acontece na hora de pagar as contas. Isso porque, com a crescente adoção de aplicativos para as transações financeiras, ir até uma agência bancária tem se tornado cada vez mais raro – além de bastante enfadonho.
O papel das redes sociais
Abrir mão do smartphone não significa abrir mão das redes sociais. Pelo menos não foi esse o caminho adotado por Bruno Candundo, estudante de Relações Internacionais da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Mesmo que há nove meses ele viva sem um smartphone, ele continua usando o Instagram e o Twitter. Só que agora pelo computador. “Uma vez eu passei seis dias sem ver o Instagram e alguns amigos ligaram na minha casa para saber se estava tudo bem ou se tinha acontecido alguma coisa comigo”, lembra.
Ele sabe que a tarefa de se separar do smartphone não é nada fácil. Andréa Jotta, psicóloga e pesquisadora do Laboratório de Psicologia em Tecnologia, Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atribui essa dificuldade ao trabalho dos algoritmos. “Qualquer coisa que os algoritmos entenderem que é atrativo para você, eles vão jogar iscas para que você não largue o smartphone”, explica Andréa.
Como usar o smartphone de forma saudável e equilibrada
Reconheça seus comportamentos: Saber quais comportamentos indicam um uso desequilibrado do smartphone é o primeiro passo. Seja por passar horas nas redes sociais ou não conseguir ficar longe dele, é importante identificar o problema para ir em busca da solução.
Desative as notificações: Essa é uma das maneiras para reduzir os estímulos de utilizar o smartphone a todo momento e pode ajudar a controlar o hábito de olhar o celular achando que está perdendo alguma coisa.
Tente usar outros dispositivos: Usar o computador, por exemplo, em vez do celular pode ser uma prática bastante saudável. Isso porque com o computador fica mais fácil delimitar o tempo e os momentos de uso.
Desapegue do aparelho: Comece deixando seu celular em outro cômodo e veja como você reage por estar distante do aparelho. Entender que o celular não precisa estar sempre perto de você é fundamental para um uso mais saudável.
Entenda que nem tudo é urgente: O celular, por ser de fácil acesso, passa a ideia de que tudo é urgente, mas nem sempre é. Reconheça que nem tudo precisa ser respondido de forma instantânea.
Limite seu uso: Defina momentos para usar e não usar o smartphone. Evite, por exemplo, o uso durante as refeições. É importante também estabelecer um limite de tempo diário para o uso do aparelho.
Busque outras alternativas: Muitas vezes recorremos aos smartphones quando estamos entediados. Porém, encontrar outras atividades para esses momentos, como a prática esportiva e leitura, pode ajudar.