Domingo, 08 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 7 de junho de 2025
A próxima missão brasileira à Antártica terá um diferencial inédito: será a primeira expedição científica da história ao continente antártico com planejamento de compensação de todas as suas emissões de carbono. A preparação envolve pesquisas multidisciplinares para calcular com precisão a pegada de carbono deixada por todas as etapas de uma missão científica. Além disso, medidas para diminuir as emissões de poluentes e remediar impactos inevitáveis serão estipuladas.
A iniciativa é liderada pela equipe do Projeto Criosfera 1, que faz parte do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), tendo como executor o Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (LARAMG), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Conta ainda com a colaboração da ABNT e da empresa de gestão ambiental Ambipar.
Essa questão tem se tornado cada vez mais relevante à medida que crescentes evidências apontam os impactos causados por viagens à Antártica (tanto para pesquisas científicas quanto para o turismo) sobre a criosfera polar e seu ambiente terrestre. Estudos da equipe, publicados recentemente na Revista Science, mostraram evidências concretas sobre o impacto da deposição de aerossóis de carbono negro (um tipo de fuligem) e microplásticos na superfície de geleiras, mantos e plataformas de gelo, acelerando o derretimento da neve e do gelo.
As mudanças ambientais da Antártica e do Oceano Austral influenciam fatores climáticos com repercussões globais. Com a rápida transformação da região polar, torna-se essencial dispor de ferramentas que ofereçam as melhores informações científicas disponíveis para apoiar decisões políticas eficazes.
A missão, prevista para ocorrer entre o final de 2025 e o início de 2026, será composta por quatro pesquisadores e destinada ao Laboratório Criosfera 1. Os gases de efeito estufa (GEE) considerados no projeto são aqueles descritos pelo Protocolo de Kyoto de 11 de dezembro de 1997. Eles são medidos em termos de equivalência ao dióxido de carbono (CO₂e), para facilitar a comparação do impacto no aquecimento global.
O cálculo considerou o consumo de combustíveis fósseis em todas as etapas e emissões indiretas, como o uso de energia nas acomodações, o impacto das estadias temporárias nos acampamentos logísticos e a geração de resíduos sólidos, além de outras fontes associadas à presença humana em ambientes extremos.
Até o momento, a análise indica que as emissões de CO₂e da missão estarão associadas principalmente às operações logísticas. Elas incluem o deslocamento da equipe, as acomodações intermediárias – como a parada obrigatória em Punta Arenas, no Chile– e o acampamento na base Union Glacier, na Antártica Ocidental.
Durante a estadia no Laboratório Criosfera 1, os pesquisadores brasileiros não utilizam nenhuma fonte de combustível fóssil, empregando apenas tecnologias baseadas em energia solar e eólica. No entanto, o transporte envolve aviões comerciais (de grande e pequeno porte), aviões cargueiros como o Ilyushin IL26 e o KC-390 Millennium, um navio de pesquisa polar da Marinha Brasileira e um trator de neve, usado para preparar a pista no laboratório na Antártica.
A ABNT verificou as emissões junto à coordenação do Criosfera 1, estimando cerca de 9 toneladas de CO2e. Além disso, a missão obteve, com o apoio da Ambipar, uma certificação internacional de Carbon Free. Para realizar esses cálculos, foi adotado o Padrão Corporativo de Contabilidade e Relatórios do Protocolo GHG, Escopo 1 e Escopo 3. Trata-se de uma iniciativa de padronização global para que entidades possam medir, quantificar e relatar suas emissões de gases de efeito estufa. As estimativas foram lançadas na planilha da plataforma pública GHG Protocol Tool – Versão 2023.0.3.
Com base nesses dados, já estão sendo adotadas diversas medidas de mitigação. Uma das principais será o reflorestamento de 200 exemplares de espécies nativas da Mata Atlântica, em áreas desmatadas do estado do Rio de Janeiro. A ação será realizada em parceria com a Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA) e contará com a participação de estudantes universitários e comunidades locais, ampliando o impacto social da iniciativa.
Essa estratégia, conhecida como “captura equivalente de carbono”, visa compensar as emissões inevitáveis geradas pela missão. A proposta se alinha ao Plano de Trabalho Estratégico Plurianual do Acordo da Antártica (ATCM) e ao Plano de Trabalho Quinquenal do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEP), e pretende se tornar um modelo prático e replicável de monitoramento, prestação de contas e mitigação ambiental no contexto da ciência polar que poderá ser replicada em outras missões científica de outros países.
Resultado de 30 anos de pesquisa, o Criosfera 1 foi instalado no verão de 2011/2012 por uma iniciativa pioneira do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), além do apoio que recebemos da Fundação Carlos Chagas Filho para o Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
A estação é a plataforma científica de dados mais remota do Brasil e uma das poucas totalmente automatizadas em operação no interior do continente Antártico, localizada a 2.500 km ao sul da Estação Comandante Ferraz e a apenas 600 km do Polo Sul. Nela, são monitorados de forma 100% autônoma, a meteorologia local, CO₂, carbono negro, ozônio de superfície, aerossóis, radiação cósmica (muons), acumulação de neve em tempo real, radiações UV-A e UV-B. Neste ambiente polar tem-se 6 meses de ausência de sol com temperaturas de -55 graus C durante o inverno. (Heitor Evangelista da Silva, Coordenador Científico do laboratório Criosfera 1, na Antártica Central, e professor do Departamento de Biofísica e Biometria, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ)