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Por Redação O Sul | 11 de junho de 2016
A crise econômica em Portugal, que começou em 2008, fez surgir nos alfarrabistas –os sebos lusitanos– raridades de um tempo perdido. Documentos e livros raros de colecionadores, quase sempre anônimos e precisando de dinheiro, brotaram da poeira dos séculos.
Quem pode faz a festa nessas horas. Foi o caso do bibliófilo e advogado brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho. No ano passado, ele recebeu a ligação de um alfarrabista português, que queria vender um “livro de autógrafos” com um manuscrito de Fernando Pessoa na última página.
Alfarrabista é bicho esperto, mas às vezes se engana. É verdade que nem Cavalcanti se deu conta, mas a poesia no caderno, que começa com “Cada palavra dita é a voz de um morto” –aparentemente conhecida–, é uma versão inédita de texto do qual até hoje só se conheciam rascunhos.
Também é a única versão íntegra e clara do poema. Para se ter ideia, mesmo quem não é especialista na caligrafia de Pessoa – que escrevia garranchos, às vezes bêbado – consegue lê-la. Conclui-se, do documento, que o escritor registrou ali a versão final do texto. Nem o acervo do autor, guardado na Biblioteca Nacional de Portugal, tem a poesia.
O caderno ainda guarda uma história inusitada. Ele pertenceu a o intelectual português José Osório de Castro e Oliveira. Aos 13 anos, em 1913, viajando do Rio a Lisboa, ele pedia para os passageiros escreverem o que quisessem.
O navio König Wilhelm 2º, no qual estava Osório, era o mesmo em que Fernando Pessoa foi da África do Sul para Lisboa em 1901.
Jeca, como sua mãe lhe chamava, cresceu e continuou a usar o caderno. Em 1918, pediu a Pessoa para escrever algo – e ganhou o poema.
“Nem o dono do caderno nem o alfarrabista sabiam que o poema era inédito. Senão, teria custado três vezes mais”, conta Cavalcanti, que não revela o valor pago. Antes disso, ele – que tem uma das maiores coleções privadas de Pessoa do mundo – já havia comprado a mesa e a escrivaninha do poeta por 95 mil euros (hoje R$ 365 mil). (Folhapress)