Quarta-feira, 22 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 8 de outubro de 2020
Quase metade das mulheres já sofreu assédio sexual no trabalho, mas oito em cada dez consideram a certeza da impunidade como a principal barreira para a denúncia. As constatações fazem parte de uma pesquisa realizada pela Think Eva, consultoria especializada em gênero, em parceria com o LinkedIn.
Entre as entrevistadas, a maioria das que afirmaram já ter sofrido assédio no ambiente profissional são mulheres negras (52%) e que recebem entre dois e seis salários mínimos (49%). O questionário on-line recebeu 414 respostas, com índice de confiabilidade de 99% e amostra representativa da população brasileira em relação à raça, região, idade e renda.
O levantamento mostrou que as mulheres estão cada vez mais vocais e conscientes em relação à violência sexual. Elas conhecem o tema e sabem do que se trata. Do total de entrevistadas, 51% disseram conversar frequentemente sobre isso e 95% afirmam saber o que é assédio sexual no ambiente de trabalho. Porém, a identificação dos casos continua sendo um desafio e as denúncias ainda são raras, pois falta apoio para reagir.
A certeza da impunidade, o medo da exposição e da demissão estão entre as principais barreiras citadas pelas entrevistadas para não denunciar seus assediadores. Outras 27% afirmaram não têm certeza se o que sofreram foi um assédio sexual e 16% revelaram sentir culpa.
“Não há uma grande surpresa em relação a esses dados. A gente já imaginava que o cenário era esse. As empresas também fazem parte dessa sociedade machista e permissiva em relação ao assédio, mas têm feito muito pouco em relação a isso”, afirma Maira Liguori, cofundadora e diretora de impacto da Think Eva.
Para ela, ainda que sabidamente o assédio seja um dos grandes entraves para o ingresso e o desenvolvimento das mulheres no mundo do trabalho, o assunto segue sendo tratado como de menor importância pela maior parte das companhias.
O que é assédio sexual?
Pelo Código Penal, o assédio sexual é definido como o ato de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” O crime é passível de pena de 1 a 2 anos de detenção.
A advogada Marina Ruzzi explica que a conduta costuma ser tratada tanto no âmbito criminal quanto no âmbito trabalhista.
Para que seja configurado crime, é preciso que o agente, usualmente o homem, utilize de cargo hierárquico superior para obter alguma vantagem sexual indevida. Isso vale para o chefe no ambiente de trabalho, para o professor na universidade ou para líder religioso, por exemplo. Na Justiça trabalhista, a configuração do assédio pode ser mais abrangente e não necessariamente exigirá uma condição de submissão hierárquica da vítima.
“Pode ser chantagem, intimidação ou algo implícito. Se o chefe chama para sair, ele não precisa dizer que vai me ferrar se eu recusar, porque isso está implícito. Mas também pode ser assédio o colega que está no mesmo nível hierárquico e faz contatos e elogios inadequados e não consentidos, piadas de cunho sexual ou pede e manda nudes pelo WhatsApp”, afirma.
A maior parte das entrevistadas na pesquisa da Think Eva associa o assédio sexual a violências mais explícitas, como a física, deixando de lado as mais sutis, como a verbal e a psicológica. Nove em cada dez mulheres associam a conduta a solicitação de favores sexuais ou ao contato físico não solicitado.
“Não necessariamente é preciso que haja contato físico para que se configure o assédio sexual. A ameaça, a coerção e a violência psicológica também podem ser consideradas crime. Coisas sutis e indiretas como gestos ou olhares inadequados também, desde que a mulher esteja se sentindo constrangida e intimidada”, explica a advogada Luciana Terra Villar, especialista em Direito das Mulheres.
Como denunciar
Uma mulher que sofreu assédio sexual no trabalho pode denunciar seu agressor criminalmente e buscar reparações ao processar a empresa na esfera trabalhista, explicam as advogadas Marina Ruzzi e Luciana Terra Villar. Ruzzi aconselha ainda que a mulher busque orientação jurídica e acolhimento psicológico, se puder, antes mesmo de acionar o RH da empresa. Mas Terra Villar considera ser importante comunicar a companhia:
“É importante a empresa ter o conhecimento. Se for negligente, a mulher pode registrar um boletim de ocorrência e abrir um processo trabalhista, ou acionar o Ministério Público do Trabalho”, orienta.
Ruzzi considera que o ideal é que a companhia tenha um canal independente e confidencial para receber as queixas. Se isso não for possível, é preciso que haja uma forma de comunicação com o próprio setor de Recursos Humanos, que deve garantir o sigilo da denúncia e estar previamente preparado para lidar com esses casos.