Sábado, 03 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 31 de janeiro de 2020
O artigo 128 do Código Penal Brasileiro define que não pode ser punido o “aborto sentimental”, ou seja, quando a gestação foi causada por estupro. Mas o Judiciário não pode autorizar esse tipo de procedimento quando há dúvidas sobre a ocorrência da violência sexual – na dúvida, merece maior proteção o direito do nascituro à vida, assegurado pelo artigo 227 da Constituição Federal.
Com esse fundamento, a 7ª Câmara Cível do TJ (Tribunal de Justiça) do Rio Grande do Sul confirmou decisão que negou autorização para que uma adolescente da cidade gaúcha de Santa Rosa se submetesse a procedimento de interrupção voluntária da gravidez supostamente originada de agressão sexual. O colegiado levou em consideração o fato de que a adolescente chegou a debater a compra de abortivos com o homem com quem teve relações sexuais, indicando se tratar mais de “descuido” do que de violência.
A titular do Juizado da Infância e Juventude daquela comarca, Vanessa Lima Medeiros Trevisol, esmiuçou ponto a ponto cada detalhe das razões expostas no pedido liminar. Ela constatou que a menor não registrou boletim de ocorrência do estupro – o que atestaria imediatamente a violência sexual – e que as mensagens trocadas entre a menor e o suposto abusador não revelam qualquer espécie de coação, ameaça ou outro contexto de violência, resumindo-se o diálogo à compra de medicamento abortivo.
Na avaliação da magistrada, o teor das conversas indica que houve apenas descuido na prevenção à gravidez indesejada. Esse último ponto explica por que a menor conversou com ele sobre gastos com medicamentos abortivos.
“Infere-se, daí, possível resignação da adolescente com a gravidez, supostamente decorrente de estupro, pelo fato de ser tarde demais e por não pretender gastar quarenta reais com injeções, comportamento que afigura-se pouco habitual para uma vítima de estupro, denotando a conversação entre as partes, aliás, certa cumplicidade em relação ao evento da gravidez”, sublinhou Vanessa no despacho que negou a liminar para autorizar a interrupção da gravidez.
Em segunda instância, o desembargador-relator Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves disse que o chamado “aborto sentimental” – permitido no artigo 128 do Código Penal – a vítima libera-se de uma maternidade “profundamente odiosa”, fruto de uma situação torpe e violenta. Mas esse tipo de situação não ficou claro nos autos.
Morte de inocente
“Tirante o fato de ser uma gestação imprevista e indesejada para a sedizente vítima, a interrupção da gravidez não se justifica de forma alguma, pois o aborto é, em si mesmo, um fato dramático e implica condenar à morte quem não teve culpa de ser gerado, e cujos direitos merecem a especial proteção do Estado”, escreveu no acórdão.
O relator observou que a autorização para o aborto causaria danos psicológicos irreversíveis na adolescente, além de se constituir em verdadeira e extrema violência a um ser em desenvolvimento e que, lamentavelmente, já está em condições de sentir a rejeição materna.
“Lembro, por fim, que o filho, ainda que esteja no ventre da mãe e dela se nutra, tem uma vida própria, não sendo um objeto sobre o qual possa ela dispor livremente. Nem mesmo a possível violência que possa ter sofrido a sedizente vítima justifica essa nova violência que ela pretende praticar contra o feto, pois o atentado à vida é incomensuravelmente mais grave que o atentado que possa ter sofrido à sua liberdade sexual”, justificou.
(Marcello Campos)