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Por Redação O Sul | 26 de março de 2019
A segunda mais rica família da Alemanha ergueu sua fortuna multibilionária com os donuts Krispy Kreme, sapatos Jimmy Choo e perfumes Calvin Klein –e com mão-de-obra de trabalhadores forçados sob os nazistas.
A família Reimann, que controla o conglomerado de bens de consumo JAB Holding Co., contratou um historiador recentemente para mergulhar nos arquivos da empresa e pesquisar suas atividades durante os 12 anos do regime nazista.
Anunciadas 74 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, as primeiras revelações são profundamente perturbadoras. Albert Reimann, pai, e seu filho Albert Reimann Jr., que comandaram a empresa nos anos 1930 e 1940, foram partidários entusiastas de Hitler e antissemitas convictos.
Eles aprovavam o uso de trabalhadores forçados não apenas em sua empresa de produtos químicos industriais, no sul da Alemanha, mas também em sua residência.
Operárias do leste europeu eram forçadas a ficar em posição de sentido, nuas, em seus alojamentos nas fábricas. As que se recusavam a fazê-lo eram sexualmente agredidas. Trabalhadores levavam chutes e eram espancados. Foi o que aconteceu com uma trabalhadora russa que fazia a faxina da mansão privada dos Reimann.
A notícia do passado tenebroso da família foi divulgada primeiramente no domingo pelo tabloide Bild. Peter Harf, porta-voz da família e um dos dois sócios gerentes da JAB Holdings, disse que os fatos trazidos à tona pelo historiador “coincidem plenamente” com o que a família já sabia. “Reimann pai e Reimann Jr. eram culpados”, disse Harf. “Deveriam ter ido para a cadeia.”
A exploração de trabalhadores forçados foi generalizada na Alemanha na época da guerra. Estima-se que 12 milhões de pessoas de mais de uma dúzia de países europeus foram sequestradas pelos nazistas e forçadas a trabalhar para sustentar o esforço de guerra alemão – teriam chegado a formar 20% da força de trabalho alemã.
Fazendas e empresas industriais importantes para o esforço de guerra eram priorizadas pelo departamento governamental que distribuía os trabalhadores – homens e mulheres arrancados de suas casas em territórios sob ocupação nazista ou prisioneiros de guerra.
O caso da família Reimann se destaca pela brutalidade especial detalhada em alguns dos documentos citados e também pelo fato de que pai e filho parecem ter se envolvido pessoalmente nos maus-tratos, disse Andreas Wirsching, diretor do Instituto Leibniz de História Contemporânea, em Munique.
Consta que após a guerra Albert Reimann, pai, que morreu em 1954, e Albert Reimann Jr., morto em 1984, nunca falaram sobre a era nazista. Foi apenas no início dos anos 2000 que a geração mais jovem da família começou a vasculhar documentos antigos da empresa e topou com materiais sugerindo que seu pai e avô tivessem sido nazistas convictos.
Em 2014 a família convidou Paul Erker, historiador econômico da Universidade de Munique, a documentar a história da empresa. A pesquisa de Erker ainda está em andamento. O que emergiu até agora veio de uma apresentação provisória que ele fez no início do ano, disse Harf.
“Ficamos atônitos”, disse. “Ficamos envergonhados, pálidos como a parede.”
Harf disse que quando o historiador completar seu relatório, previsto para 2020, o texto será levado a público. A família pretende doar 10 milhões de euros, cerca de R$ 43,64 milhões, a uma entidade beneficente ainda não identificada.
No ano 2000 o governo alemão ajudou a criar um fundo de 10 bilhões de marcos (5,1 bilhões de euros) para pagar indenizações a trabalhadores forçados. Metade do dinheiro veio de empresas como a Siemens, Deutsche Bank, Daimler e Volkswagen.
A lista de empresas alemãs muito conhecidas que lucraram com o uso de mão-de-obra forçada –e com os crimes nazistas de modo mais geral— é longa. Muitas dessas empresas levaram décadas para abrir seus arquivos.
A Daimler foi uma das primeiras. A fabricante da Mercedes usou quase 40 mil trabalhadores forçados perto do final da guerra. A Volkswagen usou 12 mil, entre os quais prisioneiros de campos de concentração que eram mantidos em um campo ocupado apenas por seus trabalhadores.
A Hugo Boss produzia os uniformes pretos da SS. O Deutsche Bank foi uma de muitas empresas que lucraram com o confisco de firmas de seus proprietários judeus.
Os Reimann fizeram sua fortuna com uma empresa química que se tornaria a Reckitt Benckiser, gigante de bens de consumo que vale US$ 58 bilhões e cujas marcas incluem a Lysol. Mais tarde eles canalizaram boa parte de seu dinheiro para o conglomerado JAB, que tornou-se um dos maiores nomes no mundo dos bens de consumo.
A JAB gastou bilhões para rivalizar com empresas como Starbucks e Nestlé, adquirindo redes e ajudando em compras de empresas. Também controla a gigante dos cosméticos Coty, dona dos perfumes Calvin Klein, no passado dona de grifes de moda de luxo como Jimmy Choo.