Segunda-feira, 29 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 1 de agosto de 2018
Antes que eles fossem separados na fronteira Sudoeste dos Estados Unidos, o filho de Ana Carolina Fernandes, Thiago, 5 anos, gostava de brincar com personagens de desenho animado. Agora, a sua diversão preferida é apalpar e prender “migrantes” com algemas de plástico.
Depois de ser separado da mãe durante 50 dias, Thiago não é o mesmo menino que foi tirado dela por agentes da Patrulha de Fronteiras quando imigraram ilegalmente do Brasil, disse Fernandes na semana passada.
Quando eles chegaram em casa após se reencontrar, o menino – que ela não amamentava havia anos – implorou pelo seio materno. E quando chegaram visitas à nova casa da família em Filadélfia, ele se escondeu atrás do sofá. “Ele está assim desde que o recuperei”, disse Ana Carolina. “Não quer falar com ninguém.”
Thiago é uma das quase 3 mil crianças que foram afastadas à força do pai ou da mãe na fronteira nesta primavera, como parte da nova política de imigração de “tolerância zero” do governo do presidente norte-americano Donald Trump.
Depois de uma reação nacional, o líder republicano acabou com as separações familiares em 20 de junho, e mais de 1,8 mil crianças separadas foram reunidas aos pais nas últimas semanas.
Mas muitas das crianças libertadas dão sinais de ansiedade, introversão, regressão e outros problemas de saúde mental, segundo relatos de advogados, defensores de imigrantes e voluntários que trabalham com as famílias reunidas.
A maioria das crianças que experimentam problemas até agora demonstra ansiedade aguda em torno de rotinas que os separam brevemente de seus pais, como quando o adulto toma banho ou vai para outro cômodo, segundo os que monitoram esses relatórios.
Incidente
Thiago e sua mãe foram apreendidos pela Patrulha de Fronteiras no Estado norte-americano do Novo México em 22 de maio. No dia seguinte, policiais informaram a Fernandes e a outras mães brasileiras detidas no mesmo prédio na fronteira que seus filhos seriam retirados delas.
O garoto chorou até dormir quando a mãe lhe deu a notícia. Outro menino teve um ataque de pânico e precisou ser hospitalizado. “Quando o policial veio buscar Thiago, teve de carregá-lo nos braços porque ele estava sonolento. Então ele começou a chorar”, disse Ana Carolina.
Cerca de quatro dias depois, a mãe da criança, que tinha sido transferida para um presídio federal, foi chamada para atender um telefonema. Uma mulher na linha lhe informou que Thiago havia se trancado, recusando-se a comer e a tomar banho.
Thiago foi colocado ao telefone, soluçando descontroladamente. Ela pediu que seu filho comesse e garantiu que em breve estariam novamente juntos. Mas se passaram várias semanas antes que mãe e filho pudessem conversar de novo. Ana Carolina não tinha ideia de que Thiago havia sido levado de avião para Los Angeles e colocado com uma família adotiva.
Depois de pagar fiança e ser libertada da detenção em 10 de junho, a mulher recebeu um número de telefone para localizar o filho. Ela ligou imediatamente depois de chegar a Filadélfia, onde foi morar com parentes, mas precisou da ajuda de um advogado de Boston, Jesse Bless, para conseguir a libertação de Thiago.
Isso só aconteceu em 13 de julho. Quando ela viu seu filho no setor de bagagens do aeroporto, correu para ele com o coração disparado, disse Fernandes. “Eu chorei e o abracei, mas ele nem ligou. Ficou ali gelado”, lembrou ela.
Quando Thiago falou, pediu para falar com sua avó no Brasil e fez a primeira de várias ligações diárias pelo WhatsApp. Naquela noite, ele procurou os seios da mãe, querendo mamar. Pensando que o acalmaria, Ana Carolina lhe deu uma mamadeira com leite, o que logo se transformou em hábito.
Com o passar do tempo, Thiago continua distante e fechado, e de repente entra no armário para evitar interações. Mas em outros momentos ele baixa a guarda. Em um restaurante brasileiro, ficou entusiasmado pelas sobremesas expostas e mais tarde comeu um pudim enquanto assistia a desenhos de “Peppa Pig” em um celular.
Quando sua mãe desapareceu momentaneamente, porém, ele ficou ansioso e assustado. “Onde está a mamãe?”, perguntava repetidamente, com os olhos percorrendo a sala. Quando ela voltou, Thiago perguntou por que havia demorado tanto.
Mais tarde, adotando o ar de um policial moderno, ele vestiu óculos escuros de plástico, colocou uma arma de plástico nos shorts e correu para sua bicicleta vermelha com rodinhas de apoio. Ele riu feliz quando correu com seu primo Rogério, 8 anos, até um playground, onde destemidamente se pendurou de uma gaiola-labirinto e de uma corda.