Terça-feira, 28 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 26 de outubro de 2025
A busca por um corpo perfeito, alimentada por padrões estéticos inalcançáveis e reforçada nas redes sociais, tem afetado de forma crescente a saúde física e mental de homens gays. Entre dietas extremas, exercícios exaustivos e a constante comparação com imagens idealizadas, especialistas alertam que a pressão por se adequar ao “corpo padrão” reflete feridas antigas — ligadas à necessidade de aceitação e à construção da masculinidade dentro e fora da comunidade LGBT+.
“Não tem como você ser perfeito, e é importante se lembrar disso todos os dias”, afirma o dermatologista Thiago Cunha, que atua na clínica de saúde mental e estética Espaço Arquétipo.
Segundo o médico, quando as pessoas não tinham tanta tecnologia e exposição constante a câmeras, a percepção da própria imagem era menos intensa. E o processo natural de envelhecimento também é algo com que é preciso lidar.
“As mudanças vão acontecer. Com o tempo, você vai notar essas transformações na sua pele e ao se olhar no espelho. É impossível evitar isso. Mas é possível se relacionar com o corpo de uma forma saudável, sem buscar a perfeição inatingível”, diz.
João Jacobs, psicólogo LGBT+ afirmativo, explica que essa pressão estética tem raízes que remontam à infância e a uma “heterossexualidade compulsória”, processo que muitos da comunidade enfrentaram desde cedo.
São situações cotidianas que, segundo o psicólogo, reforçam a ideia de que a pessoa deve se encaixar em um padrão heteronormativo. Um exemplo está na dança de festa junina de uma escola, quando o menino gay é obrigado a dançar com uma menina, ou nas celebrações de aniversário, em que o nome anunciado no “com quem será” é o de uma menina.
“Meninos heterossexuais que gostam de futebol são socialmente validados dentro desse estereótipo de masculinidade. Qualquer criança que foge dessas expectativas fica sujeita a agressões, exclusões e preconceitos”, diz Jacobs.
Diante dessa sensação de não pertencimento e inadequação, muitos acabam desenvolvendo um mecanismo para conquistar valor e aceitação, um comportamento conhecido como “síndrome do bom menino” entre profissionais de psicologia e psiquiatria.
“Eles compensam isso [sentimento de inadequação] demonstrando mais afeto, cumprindo suas responsabilidades de forma rigorosa ou sendo o melhor da turma. Com isso, começam a medir seu valor pessoal a partir da imagem que projetam para os outros, criando mecanismos de compensação emocionais que buscam reconhecimento externo”, afirma o psicólogo.
“Essa ‘síndrome do bom menino’ vai aparecer mais tarde como uma pressão estética, quando muitos homens gays sentem que precisam corresponder a certos padrões para serem aceitos socialmente, como [atender] o ideal do homem gay másculo”, acrescenta Jacobs.
A tentativa de corresponder a padrões externos pode se intensificar na vida adulta.
Os especialistas lembram que para muitos homens gays o início da vida sexual é marcado pela ausência de afeto e experiências amorosas, e a pornografia acaba sendo o primeiro contato —o que ajuda a reforçar estereótipos pouco realistas.
“Com as minhas inseguranças e tendência de comparação, acabei desenvolvendo diversos transtornos alimentares”, diz o jornalista L.F., de 32 anos. Ele conta que ainda estava no ensino médio quando desenvolveu anorexia e bulimia, condições agravadas pelo consumo de álcool.
À medida que se envolvia mais com a comunidade LGBT, a cobrança estética crescia, ele afirma. “A gente começa a frequentar lugares e festas onde as pessoas ficam sem camisa o tempo todo. Isso acaba virando algo que te consome.”
L. diz que a pressão estética chega a “triplicar” quando se busca relacionamentos. Ele conta que, embora parceiros elogiassem seu corpo, frequentemente acrescentavam que ele “ficaria melhor” se treinasse mais. Também diz ter enfrentado etarismo em aplicativos de encontros e nas redes sociais, onde memes rotulam a fase dos 30 anos como a “terceira idade do homem gay”, com apelidos como “gay cacura” e “maricona”.
“A gente ainda vive rodeado por memes, gírias e brincadeiras que muitas vezes são bullying e etarismo mascarados”, afirma.
O psicólogo João Jacobs lembra, contudo, que esse desejo constante por validação de corpos considerados padrão intensifica a pressão e promove comparações que prejudicam a saúde mental.
“Todo esse contexto pode levar a isolamento social, ansiedade, depressão, transtornos alimentares e dismorfia corporal e contribui para a alta prevalência de adoecimento psíquico e suicídio na população LGBT”, conclui. (As informações são da Folha de S. Paulo)