Terça-feira, 23 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 6 de março de 2021
“Nós temos que entender que estamos lidando com uma doença de transmissão respiratória. Vamos pegar a história do sarampo — sarampo também tem transmissão respiratória. Ou você tem altas coberturas vacinais, ou você não controla.”
Quando a experiente cientista Marilda Siqueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), fala em “alta cobertura vacinal”, no caso do sarampo, significa ter mais de 95% da população-alvo imunizada.
Atualmente, quando o País vive o pior momento desde que a pandemia começou, um ano atrás, cerca de 3,75% dos brasileiros receberam a primeira dose da vacina contra a doença causada pelo Sars-CoV-2.
Para achatar a curva que contabiliza os números diários de novos casos e óbitos por Covid-19, o País precisa ter acesso a um volume maior de imunizantes, ao mesmo tempo em que a população “faz sua parte” para evitar a disseminação do vírus, diz a especialista, que há um ano participa ativamente dos esforços da comunidade científica brasileira para barrar o avanço do coronavírus.
“Não adianta a gente entrar com um programa de vacinação se a população não ajuda. Pode demorar muito pra gente ver a situação controlada.”
A chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) fala com conhecimento de causa: em 2016, junto com outras três autoridades, ela recebeu o certificado da eliminação da rubéola e do sarampo no Brasil pela Organização Panamericana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) nas Américas.
O trabalho começou 24 anos antes, com uma ampla campanha de vacinação em 1992, quando o sarampo matava no mundo cerca de 2,5 milhões de crianças, um número próximo ao número de vítimas do Sars-CoV-2 em um ano de pandemia.
“A gente conseguiu imunizar 96% da população-alvo, que eram crianças menores de 14 de idade, em um mês e pouco. Foi um sucesso absoluto.”
De um ano para outro, o número de casos notificados no país caiu 81%, de 42.934 em 1991 para 7.934.
Maior campanha de vacinação
Marilda trabalhou na vigilância laboratorial e epidemiológica do programa, à frente do Laboratório de Vírus Respiratórios. A coordenação da força-tarefa, ela frisa, ficou a cargo do Programa Nacional de Imunizações, o PNI, ligado ao Ministério da Saúde.
Naquela época, a cientista fazia o doutorado em Microbiologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Formada em Farmácia e Bioquímica pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), a paulista de Catanduva se mudou para o Rio de Janeiro no fim dos anos 1970 para fazer a especialização em Microbiologia e Imunologia e o mestrado em Biologia Parasitária na Fiocruz.
No início dos anos 1990, o mundo já havia conseguido erradicar a varíola, e as Américas tinham feito um bom trabalho no controle da poliomielite.
“A pergunta que se fez então foi: qual seria a outra doença que tem impacto sobre a saúde das populações e para a qual há boa vacina? O sarampo.”
O Brasil fez a maior campanha de vacinação do mundo até então — imunizou 48 milhões de crianças e adolescentes entre de 22 de abril e 25 de maio de 1992 — e virou modelo.
O laboratório de Marilda passou a treinar equipes de outros países e a disseminar a metodologia baseada no tripé de ampla imunização e vigilância laboratorial e epidemiológica.
A ideia era que, se um país de grande extensão territorial, socialmente desigual, com cidades em locais remotos, outras densamente povoadas e com favelas conseguiu fazer um programa de vacinação em massa, outros também conseguiriam.
Além da ampla divulgação — com o objetivo de sensibilizar a população em geral, a classe política e os profissionais de saúde —, o plano de eliminação do sarampo contou com campanhas nos anos seguintes para eliminar o volume de crianças ainda suscetíveis à doença.
Ao mesmo tempo, contava com uma vigilância epidemiológica intensiva dos casos suspeitos e com o diagnóstico de todo caso suspeito notificado, para que as autoridades de saúde pudessem se antecipar a eventuais surtos e terem tempo de agir para evitar uma piora do quadro.
Um trabalho parecido foi feito com a rubéola, levando em consideração as particularidades da doença. A vacina era dada em conjunto com a do sarampo, com a dupla viral ou a tríplice viral, que também protege contra caxumba.
O país recebeu o certificado de eliminação em 2016 — mas acabou perdendo três anos depois, em 2019, em parte pela queda expressiva da cobertura nacional.