Terça-feira, 11 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 8 de novembro de 2025
Na primavera passada, nos Estados Unidos, Shiri Melumad, professora da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, conduziu um experimento curioso com 250 voluntários. Ela pediu que cada um escrevesse uma breve redação dando conselhos a um amigo sobre como levar um estilo de vida mais saudável. A diferença estava nas ferramentas disponíveis: parte do grupo podia fazer uma pesquisa tradicional no Google, enquanto a outra metade devia se basear apenas em resumos gerados automaticamente pela inteligência artificial do próprio buscador.
O resultado foi revelador. As pessoas que usaram os resumos criados por IA escreveram textos genéricos e previsíveis, cheios de frases óbvias como “coma alimentos saudáveis”, “beba bastante água” e “durma bem”. Já os participantes que usaram a pesquisa tradicional ofereceram orientações mais complexas, personalizadas e ricas em detalhes – abordando temas como equilíbrio entre saúde física, mental e emocional, manejo do estresse, importância do lazer e da alimentação consciente.
Segundo Melumad, esse tipo de diferença mostra que depender demais da inteligência artificial pode reduzir a profundidade do pensamento humano. “Estou bastante assustada, para ser sincera”, afirmou. “Preocupa-me ver jovens que já não sabem como fazer uma pesquisa tradicional no Google.”
Essas conclusões se somam a uma inquietação crescente: a de que o uso excessivo de ferramentas digitais pode estar contribuindo para o chamado “brain rot” – expressão em inglês que significa “apodrecimento cerebral”. O termo, escolhido pela Oxford University Press como a “palavra do ano” em 2024, descreve o efeito de consumir continuamente conteúdos superficiais e de baixa qualidade, especialmente em redes sociais como TikTok e Instagram.
A ideia de que a tecnologia pode nos tornar menos atentos ou inteligentes, porém, não é nova. Desde a Antiguidade, pensadores expressam preocupações semelhantes: Sócrates, por exemplo, criticava a invenção da escrita, alegando que ela enfraqueceria a memória humana. Séculos mais tarde, em 2008, a revista The Atlantic publicou o ensaio “O Google está nos tornando estúpidos?”, sugerindo que o hábito de navegar rapidamente por informações online estaria mudando a forma como pensamos e aprendemos.
Naquela época, essas preocupações pareciam exageradas. Mas hoje, diante dos avanços da inteligência artificial e de seu uso massivo em tarefas cotidianas, o debate voltou com força – agora respaldado por estudos acadêmicos que apontam impactos reais sobre o aprendizado e a cognição.
Nos Estados Unidos, o tema preocupa ainda mais porque o desempenho em leitura entre estudantes do ensino fundamental e médio vem caindo de forma acentuada. De acordo com a Avaliação Nacional do Progresso Educacional – considerada o exame mais confiável do país –, as notas em compreensão de leitura atingiram em 2024 os níveis mais baixos já registrados, especialmente entre alunos do oitavo ano. Pesquisadores apontam que a pandemia de covid-19, que aumentou o tempo de tela e interrompeu o ensino presencial, agravou esse quadro.
Agora, estudos mais recentes sugerem que o uso excessivo de IA e redes sociais pode estar contribuindo para essa deterioração cognitiva. Um grupo de pediatras identificou que crianças que passam mais tempo em aplicativos como TikTok e Instagram obtêm resultados piores em testes de leitura, memória e linguagem. Outros estudos encontraram correlações semelhantes entre a dependência de chatbots e o enfraquecimento da capacidade de concentração e retenção de informação.
Um dos trabalhos mais discutidos deste ano veio do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Os pesquisadores queriam entender como ferramentas como o ChatGPT, da OpenAI, influenciam a forma como as pessoas escrevem e processam informação. No experimento, 54 universitários foram divididos em três grupos:
* Um pôde escrever seus textos com a ajuda do ChatGPT;
* Outro usou apenas o Google tradicional;
* E o terceiro grupo teve que redigir o texto confiando apenas na própria memória e conhecimento.
Durante a atividade, os estudantes usaram sensores para medir a atividade elétrica do cérebro. Como esperado, os usuários do ChatGPT apresentaram os níveis mais baixos de atividade cerebral – afinal, delegaram parte do trabalho à máquina. Mas o dado mais surpreendente veio depois: um minuto após terminarem o ensaio, os pesquisadores pediram que cada participante recitasse qualquer trecho do texto que acabara de escrever. A maioria dos que usaram o ChatGPT (83%) não conseguiu lembrar nem uma única frase.
Em contraste, os estudantes que usaram o Google conseguiram recordar alguns trechos, e os que não utilizaram nenhuma tecnologia foram capazes de reproduzir várias partes do texto – alguns chegaram a recitar quase tudo de memória.
Esses resultados levantam uma questão crucial: se as ferramentas de IA nos poupam esforço cognitivo, também estariam nos impedindo de aprender de verdade? Cada vez mais pesquisadores acreditam que sim – que o cérebro humano precisa do desafio e da prática ativa para se fortalecer, e que terceirizar o raciocínio para a máquina pode, aos poucos, enfraquecer nossas habilidades de pensar criticamente, escrever com clareza e reter conhecimento.