Quinta-feira, 06 de março de 2025
Por Redação O Sul | 22 de junho de 2024
Era 1998, um pedido judicial feito por uma família de Israelândia, no oeste goiano, repercutiu nacionalmente. Na época, os pais de uma menina de 10 anos enfrentaram autoridades, religiosos e a opinião popular para que a criança conseguisse fazer um aborto após ser abusada sexualmente. Em entrevista à época, ela contou sobre os crimes.
“Eles falam assim, que se eu não fosse, eles vinham me buscar. [Ele] dava um real e bolacha. [Eu sentia] medo”, relatou a menina.
Na época, um homem de 65 anos e o amigo dele, de 52 anos, foram presos. Eles negaram o crime.
Os suspeitos foram indiciados pela polícia e denunciados pelo Ministério Público.
A menina estava com 14 semanas de gestação quando a família entrou com pedido de autorização judicial para que pudesse fazer o aborto. A cirurgia aconteceu em outubro do mesmo ano em um hospital localizado em São Paulo, quando a menina estava com 18 semanas de gravidez.
Abusos e gravidez
Os abusos contra a menor começaram quando a menina tinha 7 anos de idade. As reportagens explicaram que, na época, a menina ficava sozinha em casa no período da manhã enquanto os pais trabalhavam e os irmãos mais velhos estudavam.
De acordo com uma reportagem do O Popular, a menina era “atraída” até a casa de um dos homens com a ajuda de uma amiga dela, de 11 anos, “que era obrigada a buscá-la”. Após os abusos, as meninas ganhavam balas, bolachas e 50 centavos cada uma.
A gravidez foi descoberta após a mãe levar a menina a um posto de saúde para diagnosticar uma infecção vaginal. No entanto, o médico que atendeu a criança suspeitou da possibilidade de uma gravidez, que foi confirmada por uma ultrassonografia.
Luta judicial
A família ficou sabendo da gravidez da menina em agosto do mesmo ano. Após a prisão dos suspeitos na época, a principal preocupação dos pais era o bem-estar da criança. Por isso, a mãe e o pai lutaram para que a menina conseguisse fazer o aborto. No entanto, o processo não foi fácil.
“Ao mesmo tempo que o promotor me diz que a decisão só depende de mim e da minha mulher, na verdade as coisas não acontecem assim. Ou eles não me entendem ou não concordam comigo. O fato é que está tudo muito difícil”, lamentou o pai da menina à época.
A importância da decisão judicial a favor do desejo da família foi resumida nas palavras do juiz da comarca de Israelândia. Na época, ele admitiu que “em princípio”, a realização do aborto legal não dependia do pronunciamento judicial. No entanto, “o problema é que nenhum médico faria o aborto sem essa autorização”.
Ainda em setembro, o juiz de Israelândia autorizou o aborto e entendeu que a Justiça precisava ser rápida no caso.
“Embora a lei não estipule um prazo limite para a interrupção da gestação, o bom senso determina que o caso exige urgência”, disse o juiz, segundo publicado pelo jornal O Popular.
Após a Justiça de Goiás permitir o procedimento, um promotor de Justiça entrou com recurso da decisão que autorizou o aborto. Na ocasião, ele negou ter entrado com o recurso por estar “cedendo a pressões de religiosos” e afirmou que “agiu por convicção jurídica”. No entanto, segundo informado pelo jornal O Popular, esse recurso “sequer chegou a ser apreciado”, uma vez que o Código Penal permitia o abuso no caso de estupro. Com isso, a realização do procedimento não configuraria crime.
Busca
Após a demorada luta judicial por uma autorização pelo procedimento, a família passou a buscar médicos que realizassem o aborto.
Na época, um integrante da Sociedade Goiana de Ginecologia e Obstetrícia explicou que, mesmo o aborto sendo possível até o quinto mês, nenhum médico deveria querer realizá-lo. Um ginecologista também chegou a criticar a “interferência da Igreja, políticos, Justiça e até dos meios de comunicação” no caso, apontando que o “barulho em torno do assunto” estaria impedindo a garota de realizar o aborto.
Os médicos de Israelândia se negaram a fazer o procedimento. Foi no último dia de setembro de 1998 que a menina viajou para São Paulo com a família para passar por avaliação e tentar realizar o procedimento em um hospital da capital paulista.
A decisão de realizar o aborto da criança foi tomada pela comissão de abortamento legal do hospital em São Paulo, após a menina passar por uma análise médica e psicossocial, além de exames médicos, laboratoriais e de uma ultrassonografia. Esses exames indicaram que o feto não apresentava anomalias e que o aborto não traria risco à saúde da menina.
Aborto
O procedimento finalmente aconteceu na manhã do dia 3 de outubro de 1998. De acordo com a advogada da família, a cirurgia foi feita por dois ginecologistas e ocorreu por meio de uma microcesariana e a menina recebeu anestesia geral.
Na ocasião, a advogada ainda disse que não foi necessária a autorização da Justiça de São Paulo para realizar o aborto.