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Alexandre Teixeira G. de Castilhos Rodrigues Da Dor, o Progresso: Lições das Guerras, das Catástrofes e das Enchentes

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Foto: Prefeitura de Jaguari/Divulgação

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Aqui no Sul, mais uma vez olhamos atentos para os níveis dos rios, acompanhando centímetro a centímetro as cotas de inundação. É como se estivéssemos revivendo, em ritual silencioso, a lembrança recente da maior catástrofe climática já vivida por estas terras gaúchas no ano passado.

Falar em guerras e desastres, quase sempre, evoca dor, destruição, luto. E, de fato, o senso comum se agarra ao trágico — e não sem razão. No entanto, se olharmos com o olhar do tempo, da história, percebemos que muitas vezes a humanidade também floresce no terreno infértil da dor. A tragédia, por mais cruel que seja, costuma ser uma professora rigorosa, que cobra caro por seus ensinamentos — mas ensina.

Na Primeira Guerra Mundial (1914–1918), o mundo assistiu ao colapso de impérios seculares — Austro-Húngaro, Otomano, Alemão e Russo — dando origem a novos países, novas fronteiras, novos desafios. Foi também no calor dos campos de batalha que a aviação deixou de ser aventura e passou a ser instrumento de transporte e reconhecimento, que a medicina deu saltos com a criação de técnicas de transfusão de sangue, controle de infecções e cirurgias mais seguras. O rádio, o telefone e o telégrafo sem fio encurtaram distâncias e conectaram o mundo.

Se a Primeira Guerra foi um despertar, a Segunda (1939–1945) foi uma explosão de avanços. No tabuleiro cruel dos conflitos, surgiram o radar, o sonar, os foguetes e, especialmente, o Colossus, primeiro computador digital, filho da necessidade de decifrar códigos inimigos e, sem saber, pai da revolução tecnológica que hoje habita nossos bolsos e lares. Vieram os aviões a jato, a energia nuclear e, na medicina, a penicilina produzia-se em escala industrial, salvando milhões de vidas. As próteses, as cirurgias reconstrutivas e os bancos de sangue mudaram a face da medicina moderna.

Foi nesse mesmo período sombrio que a humanidade acendeu uma luz: nasceu a Organização das Nações Unidas (ONU) e se consolidaram os direitos humanos. Nuremberg julgou crimes de guerra, plantando as sementes do Direito Penal Internacional. A mulher ganhou espaço no mercado de trabalho, a ciência recebeu investimentos inéditos, e o mundo se reorganizou sob dois polos — EUA e URSS — criando uma nova ordem global.

Paradoxalmente, é da barbárie que, muitas vezes, brotam as grandes transformações. E o que dizer das catástrofes naturais, sanitárias e tecnológicas? Elas também carregam esse mesmo roteiro perverso.

Quando o Vesúvio engoliu Pompéia, em 79 d.C., petrificou não apenas corpos, mas a própria história. Graças a isso, conhecemos, com detalhes, os hábitos, a arquitetura e a vida de uma cidade romana do século I. Séculos depois, em 2004, o tsunami do Oceano Índico levou 230 mil vidas, mas trouxe consigo o desenvolvimento de sistemas globais de alerta, a reorganização urbana em áreas de risco e a união de nações em torno de ações humanitárias.

Desastres tecnológicos, como Chernobyl (1986), apertaram as rédeas da segurança nuclear no mundo. Brumadinho (2019) escancarou ao Brasil e ao planeta a urgência de uma mineração mais ética, responsável e menos predatória.

E as pandemias… A Peste Negra dizimou um terço da Europa medieval, mas abriu espaço para o fim da servidão, para o surgimento da classe média e para avanços em saúde pública. A Gripe Espanhola (1918) impulsionou a criação dos primeiros ministérios da Saúde. E, recentemente, a COVID-19, que matou entre 19 e 36 milhões de pessoas, acelerou a biotecnologia, deu vida às vacinas de RNA mensageiro, transformou o trabalho remoto em realidade e acendeu, como nunca, o alerta sobre a importância da saúde pública e do cuidado ambiental.

Por fim, nossa própria tragédia: as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul. A maior catástrofe climática da história do estado não apenas revelou a nossa fragilidade, mas também reavivou, nas águas turvas da destruição, a chama da solidariedade. O rio, antes ignorado, voltou a ser protagonista. Entendemos, à força, que não há progresso sem harmonia com os ciclos da natureza. As bacias hidrográficas deixaram de ser meras linhas no mapa para se tornarem linhas de vida — ou de morte — dependendo de como decidirmos viver a partir daqui.

Sim, guerras e catástrofes são dolorosas. Rasgam a carne, o chão e a alma. Mas, se há algo que a história insiste em nos lembrar, é que a humanidade tem uma estranha capacidade de, mesmo cambaleando, se levantar — e aprender. Ainda que pela via mais amarga: a dor.

 

Alexandre Teixeira G. de Castilhos Rodrigues, advogado, escritor, oficial R2 e doutorando em direitos humanos, UNLZ, Argentina

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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