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Por Redação O Sul | 22 de junho de 2018
Embora apresentada como solução paliativa pelo presidente Donald Trump para o drama migratório, a detenção familiar já enfrenta contestações legais e políticas nos EUA. Hoje, há apenas três centros onde adultos e crianças convivem em confinamento no país, que despontaram durante o governo do presidente Barack Obama. Por anos, a prática vem sendo desafiada na Justiça por advogados e atacada por defensores de diretos humanos por conta de relatos de maus-tratos – agora, esses críticos estão alarmados com a proposta da Casa Branca de fazer desta uma política de alcance nacional. Na prática, a perspectiva de uma nova fase ainda mais dura nestes centros pouco conhecidos joga em campo incerto o destino de milhares de homens, mulheres e crianças que esperam para saber se viverão o “sonho americano” ou se serão deportados. As informações são do jornal O Globo.
De 113 centros de detenção para migrantes e requerentes de asilo espalhados pelos EUA, dois reúnem mulheres e meninas no Texas, enquanto um outro tem homens, mulheres e crianças na Pensilvânia. Este último, chamado Centro de Residência Familiar Berks, é o mais antigo dos EUA, tendo sido aberto em março de 2001. Os registros de famílias de imigrantes detidas ali se intensificaram durante o governo do ex-presidente Barack Obama.
A advogada Karen Hoffmann – que desde 2015 representa voluntariamente os detidos no centro de Berks – o descreve como um “buraco negro”, onde algumas famílias podem permanecer até por anos. Os detentos são acordados a cada 15 minutos durante a noite, numa prática muito criticada por defensores dos direitos humanos e justificada por autoridades como uma medida de segurança. Além disso, relata, a convivência mista coloca mulheres em situação de vulnerabilidade, com repetidas denúncias de assédio sexual (das 96 camas, a maioria é ocupada por mulheres e crianças esperando respostas para os seus pedidos de asilo).
“Obviamente, qualquer coisa é melhor do que tirar os filhos dos pais. Mas resolver o problema com a detenção de famílias inteiras por tempo indefinido é absolutamente repugnante”, diz Karen. “Nós sabemos o efeito disso sobre as crianças: elas não são livres, mas sim monitoradas o dia todo. Apenas algumas semanas de detenção podem ser traumatizantes. Vi um grupo de cerca de 15 a 20 famílias que ficaram detidas por dois anos, esperando o resultado de uma ação judicial coletiva. No meio, havia uma criança que chegou com 1 ano. Aprendeu a andar e falar ali.”
Em 2016, 22 mães fizeram uma greve de fome para protestar contra as suas detenções, que já duravam mais de um ano. E, numa carta aberta ao governo, escreveram: “Em muitas ocasiões, nossos filhos nos perguntam se temos a coragem de escapar. Eles seguram os seus cordões de identificação ao redor dos pescoços, dizendo que querem morrer se não puderem sair. E as crianças menores, que têm só dois anos, choram durante a noite porque não podem dizer como se sentem”.
No ano anterior, em agosto de 2015, um relatório da ONG Human Rights First disse que as interrupções do sono contínuas durante a madrugada provocavam insônia, medo e ansiedade nos adultos e crianças detidos. E que não havia funcionários de assistência psicológica que falassem espanhol, enquanto muitas crianças sofriam de sintomas de depressão e desenvolviam comportamentos agressivos em relação aos seus pais e outras crianças.
Em 2014, Obama chegara a deter centenas de famílias juntas, em resposta a uma crise na fronteira Sul. Mas foi impedido por tribunais federais de mantê-las em confinamento sem justificativa. Seu segundo mandato terminou com dois novos centros abertos em 2014, que até hoje funcionam no Texas, e mais dois que acabaram desmantelados. Um deles, no Texas também, virou centro de detenção para mulheres, e o outro, em Novo México, fechou as portas depois de repetidos relatos de violações ocorrendo lá dentro, onde havia mais de 600 detidos e pouquíssimos advogados voluntários – um para cada 120 imigrantes, segundo à época denunciou uma destas representantes legais.