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Por Redação O Sul | 10 de novembro de 2020
Era uma das mais aguardadas autobiografias, afinal, Woody Allen firmou-se, desde a década de 1960, como um dos principais diretores e roteiristas do cinema americano, autor de comédias (algumas já clássicas) que traduzem com graça as principais angústias humanas. Mas Woody Allen – A Autobiografia que a Globo Livros lançou nessa terça-feira (10), no Brasil correu o risco de não ser publicada nos Estados Unidos – a editora Hachette já cuidava da obra quando desistiu de lançá-la, depois de um protesto de seus funcionários contra o lançamento.
O motivo não era editorial, pois Allen relembra sua trajetória com a mesma verve cômica que marca seus filmes e livros. Mas sim a acusação feita por Dylan, filha do cineasta com a atriz Mia Farrow, de abuso sexual, crime que teria acontecido em 1992, quando ela tinha 7 anos – uma acusação que reiterou em 2018, mas Allen sempre desmentiu e a denúncia não chegou a ser comprovada pelas investigações feitas sobre o caso.
Mesmo assim, o estrago estava feito e Allen logo perdeu um contrato estimado em US$ 68 milhões com a Amazon, responsável pela distribuição de seus novos filmes. Um dos mais recentes, por exemplo, Um Dia de Chuva em Nova York (2019), nem chegou a ser lançado nos Estados Unidos, mas estreou nos cinemas brasileiros. E a comédia romântica Rifkin’s Festival, seu último longa até o momento, foi financiada por uma produtora espanhola, a Mediapro, e abriu o Festival de San Sebastián, em setembro.
Se a Europa tornou-se novamente o refúgio cinematográfico para Allen, o furacão iniciado no mercado editorial americano foi suficiente para contaminar o provável sucesso que o livro teria em diversos países, onde a publicação foi protelada ou mesmo cancelada. No Brasil, alguns editores não quiseram participar do leilão pelos direitos autorais, temendo uma negativa reação do público leitor. A definição, aliás, aconteceu depois de um esquema arriscado, com ofertas feitas às escuras, pois os participantes do leilão receberam uma vaga descrição do que seria o livro, sem acesso ao original, nem mesmo a um capítulo.
Uma das apostas da Globo Livros, que acabou ficando com os direitos no Brasil, é que Allen, na autobiografia, apresentasse um outro ponto de vista. De fato, são várias as surpresas apresentadas na obra, na qual Allen traça um perfil honesto sobre si – mesmo que isso possa ser usado contra ele, como a insensibilidade ao tratar de mulheres.
De fato, Allen não escapou da condenação moral a que foi submetido especialmente pelos americanos e ocupa uma parte considerável de sua autobiografia para se defender. Um dos principais alvos é a atriz Mia Farrow, com quem teve um filho biológico (Satchel, que agora se identifica como Ronan) e vários outros adotados. São momentos do livro em que a voz descontraída cede espaço para um ajuste de contas, o humor é atropelado pelo desabafo. Allen retrata Mia como uma mulher insensível no trato com os filhos, que eram adotados com a mesma emoção com que se compra um brinquedo novo – e isso ainda lhe trouxe uma bem-vinda reputação de santa.
Allen descreve maus-tratos praticados por Mia em diversos filhos, mas se concentra em Soon-Yi, garota sul-coreana que foi adotada pela atriz quando estava com 7 anos e com quem Allen iniciou um relacionamento amoroso quando ela completou 21. Segundo o cineasta, a menina vivia feliz em um orfanato gerido por freiras quando foi levada pela atriz. “Mia então a tirou desse ambiente com o qual ela havia se habituado e a obrigou a fazer uma turnê por outros orfanatos, onde buscava novos órfãos como alguém que passa pelas gôndolas de promoção numa livraria”, escreve Allen, que passa a enumerar uma série de situações constrangedoras a que Soon-Yi era submetida.
Mia descobriu que Allen estava se relacionando com Soon-Yi ao encontrar fotos polaroides eróticas da garota no apartamento do cineasta. “É claro que entendo o choque dela, sua consternação, raiva e tudo mais”, observa. “Foi a reação correta.” Depois disso, furiosa, Mia decidiu acusá-lo de ser molestador, o que se agravou quando surgiu a denúncia de Dylan.
Apesar da turbulenta vida privada, Woody Allen não deixou de fazer filmes, alguns figurando entre os melhores de sua carreira – como Maridos e Esposas (1992). “Quando terminei de escrever (o roteiro), decidi que rodaria predominantemente com a câmera na mão e não obedeceria às regras de filmagem. Eu cortaria quando quisesse, sem me preocupar com gente olhando na direção certa, faria cortes e iria ao oposto do bonito ou bem-feito. Acabou sendo um bom filme, eu acho, e não pego leve com o meu trabalho “