Sexta-feira, 26 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 9 de agosto de 2020
A corrida para obter a vacina contra a Covid-19 avança a toda velocidade. Potências como Estados Unidos, China, Rússia e Reino Unido estão testando o poder de suas capacidades científicas e investindo o que for necessário para encontrar uma vacina que combata o vírus.
Como é impossível prever qual vacina terá sucesso primeiro, os países mais desenvolvidos passaram a comprar centenas de milhões de doses de diferentes laboratórios para tentar garantir o seu abastecimento.
A BBC Mundo entrevistou Richard Haass, presidente do centro de estudos do Conselho de Relações Exteriores, ex-diretor de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado dos EUA, enviado especial à Irlanda do Norte e coordenador do programa “Futuro do Afeganistão”.
Confira os principais trechos:
1) Nas últimas semanas, várias potências compraram doses de vacinas para garantir o seu próprio abastecimento antes de qualquer uma delas receber a aprovação, como se estivéssemos numa corrida. Você escreveu que estamos diante de um “nacionalismo de vacinas”. Por que diz que é uma receita para o desastre?
Estamos vendo o nacionalismo das vacinas contra covid-19 que pode ser descrito como um nacionalismo preventivo. Os governos estão se posicionando e as razões são óbvias. Os líderes estão sob pressão para fornecer as doses aos seus próprios cidadãos. O problema é que isso deixará bilhões de pessoas em uma posição vulnerável, o que é uma crise. Mas também será negativo para governos que praticam o nacionalismo de vacinas, porque se houver um grande número de pessoas infectadas no mundo, devido à globalização, a doença continuará a se espalhar. Portanto, há um jogo político, econômico e estratégico por trás das vacinas que é uma receita para o desastre, se não for possível construir um acordo internacional.
2) E as pressões políticas a nível nacional provavelmente não vão ceder…
Eu entendo as pressões políticas. É difícil para um governo dizer que devemos ajudar outros países ao mesmo tempo que ajudamos a nós mesmos.
3) Estamos diante ou estaremos diante de uma guerra política para obter vacinas?
Eu diria que é uma competição por vacinas, não uma guerra. Todo mundo quer chegar lá primeiro. Alguns por motivos comerciais, mas muitos por motivos mais políticos. O problema, como eu estava dizendo, é que todos estaremos em uma posição vulnerável se houver muitas pessoas infectadas. Essa é a grande lição desta doença. Mesmo que um país esteja à frente de outros na produção da vacina, eles ainda serão dependentes de outros países, porque provavelmente precisarão da importação de certos produtos para produzir a vacina. Não acredito que nenhum país seja 100% autossuficiente na produção de uma vacina porque vai exigir um determinado elemento químico ou ingredientes do exterior.
4) Qual seria a solução possível para esse problema? Como os governos podem chegar a um acordo?
A maior razão para pensar diferente sobre isso é a seguinte. Digamos que seu país não seja o primeiro a desenvolver uma vacina. Digamos que você seja o segundo ou terceiro, ou nunca conseguiu. Você está em uma posição vulnerável.
Um governo responsável tentaria chegar a um acordo como se fosse uma apólice de seguro. Um acordo sob o qual as partes concordam em compartilhar uma dose significativa da vacina, mesmo que você não a tenha desenvolvido.
Isso requer um acordo global, onde os governos concordem com um mecanismo para compartilhar vacinas. Por exemplo, cada governo concorda em manter metade das vacinas e compartilhar a outra metade com o resto do mundo.
5) É provável que aconteça?
Não. Provavelmente, não. Certos países como Estados Unidos, China e possivelmente outros acreditam que têm uma boa chance de desenvolver a vacina primeiro e, de início, não querem abrir mão da possibilidade de aproveitá-la internacionalmente e, ao mesmo tempo, querem atender sua população.
Esta é uma época de aumento do nacionalismo. Os governos temem que, se chegarem a um acordo para compartilhar a vacina com outros países, ficarão em uma posição politicamente vulnerável em seu próprio país.