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Por Redação O Sul | 28 de junho de 2022
O Ministério da Saúde realizou nesta terça-feira (28) uma audiência pública para discutir a cartilha editada pela pasta que, na visão de especialistas, ignora o estatuto legal do abortamento no Brasil ao alegar que “todo aborto é crime”.
Segundo o ministério, o evento teria como objetivo “promover o debate, ouvir a sociedade civil e demais interessados no tema”, mas como mostrou o blog de Andréia Sadi, do portal de notícias G1, algumas entidades de direitos da mulher informaram que não conseguiram participar da audiência e tiveram seu credenciamento vetado.
Na manhã desta terça-feira o ministério publicou em seu site uma lista de convidados para a reunião, que incluía nomes como Joana Ribeiro, a magistrada que impediu o aborto legal de uma menina de 11 anos, vítima de estupro. No entanto, Joana não chegou a participar da audiência.
Também estavam na lista a deputada bolsonarista Bia Kicis, ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, e até uma conselheira de Donald Trump, Valerie Huber. Todas são militantes ideológicas contra o aborto.
“Nós primamos, hoje, por ouvir os dois lados. É importante dizer que nós chamamos cerca de 24 pessoas ou instituições, de forma bem pareada”, alegou o Secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Raphael Câmara.
Durante sua fala, Câmara porém negou que o aborto representa um grave problema de saúde pública.
“A gente precisa discutir o que é um grave problema de saúde pública. […] Se você interpretar qualquer doença que provoca morte como um grave problema de saúde pública, ok. Mas essa discussão a gente tem que fazer”, disse Câmara.
O Ministério da Saúde alega que a audiência pública visava aprimorar o manual intitulado “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, editado pela pasta.
A cartilha, assinada por Câmara, sugere que “não existe aborto ‘legal” e defende que os casos em que há “excludente de ilicitude” sejam comprovados após “investigação policial”, informações que, segundo especialistas ouvidos pelo g1, estão em desacordo com a com a atual legislação e que ferem a autonomia da mulher.
Na audiência, a deputada federal Chris Tonietto (PL/RJ) chegou afirmar que o aborto é “sempre um homicídio” e que é escandaloso considerar como “uma conquista de direitos humanos o assassinato de bebês”.
Na mesma linha, a deputada estadual de São Paulo Janaina Paschoal (PRTB) alegou que é “absolutamente incoerente” interromper gestações oriundas de estupro em fases avançadas e disse que concorda com o Ministério da Saúde em estabelecer um prazo limite para a realização do aborto e em estabelecer uma notificação do estupro.
A lei brasileira porém permite a interrupção da gravidez em casos de estupro, risco de morte da mulher e fetos com diagnóstico de anencefalia. Segundo a legislação, o aborto não deixa de ser legal após 20 semanas de gravidez e o Código Penal não fixa prazos.
Representante do movimento Brasil sem Aborto, a professora e farmacêutica Lenise Garcia também afirmou que o documento do Ministério da Saúde é “esclarecedor” e que vem sendo atacado “indevidamente”. Ela chegou declarar inclusive que depois de 22 semanas de gestão o aborto seria um “feticídio”.
Representante da Fiocruz, José Paulo Júnior, afirmou que, na fundação, é seguida a lei e reconhecido o direito que a paciente tem de ter sua gestação interrompida, quando há risco de vida materno, quando há situação de estupro e quando há anencefalia.
“É nessa lógica que trabalhamos na Fiocruz: a mulher é o centro, a mulher é a definidora dos seus direitos, desde que ela receba uma informação de qualidade e essa informação se traduza numa melhoria de tomada de decisão”, pontuou José Paulo Júnior.
Na contramão dos representantes do ministério e de outros políticos que insistiram em dizer que “todo aborto é crime, como consta na própria cartilha, a representante da Defensoria Pública da União e coordenadora do Grupo de Trabalho Mulheres, Daniela Corrêa Jacques Brauner rebateu o conceito.
“Não existe crime de aborto legal. Se a lei diz que não é crime, não podemos afirmar em linguagem técnica e errônea que é”, também explicou Daniela Brauner.
“A cartilha do Ministério da Saúde não pode induzir que a realização do aborto, no estrito parâmetro legal, seja possivelmente uma ação criminosa, sob o ponto de vista técnico e também sob o ponto de vista de colocar dúvida naquele profissional se ele está agindo dentro da lei ou não”, acrescentou a representante da Defensoria Pública.
Outra voz crítica ao ministério foi a do representante da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Osmar Ribeiro.
“O Ministério da Saúde esteve conosco sempre em todos os fóruns. A partir de 2016, quando a coisa estava mais ou menos estabilizada, demos umas paradas nos fóruns e não tivemos mais discussões junto ao ministério. Achamos muito estranho neste momento não estarmos participando junto ao Ministério da Saúde, já que o ministério sempre diz que trabalha com aspectos técnicos, e a comissão nacional especializada, já formada por um grupo muito diferenciado, sem viés político, essa comissão não foi convidada a participar desse novo manual”, afirmou o representante da Febrasgo. As informações são do portal de notícias G1.