Por Redação O Sul | 28 de novembro de 2020
Narrativas sempre podem ser revisitadas e modificadas ao longo da História de acordo com os ventos da época. Mas há feitos objetivos que dificilmente serão abalados sob um novo olhar. O drible em meio time inglês e o gol antológico no Mundial de 1986, com tudo o que a vitória representou além do futebol, são provas disso. São parte do que tornou Diego Maradona um gênio do futebol e a razão que fará o mito sobreviver ao tempo.
A morte de Maradona, claro, pode incensar ainda mais o mito à frente do homem e suas fraquezas amplamente discutidas. É natural que o futebol prevaleça na memória afetiva dos amantes do esporte.
“É bom lembrar que o Maradona já era um mito muito antes de morrer. Mas quando alguém dessa grandiosidade morre, se mitifica muito mais”, diz o sociólogo e professor da Uerj, Ronaldo Helal.
A documentação farta do que o craque argentino fez em campo é o que garante esse legado permanente. São os gols geniais, o choro na derrota do Mundial de 1990, na Itália, o auge no Napoli, o grito para as câmeras no gol sobre a Grécia, na Copa do Mundo de 1994. Também evita as distorções da memória, para menos ou para mais.
“O fato de termos tantos referenciais (documentos) de sua carreira e de sua vida ajudará sim a eternizar ainda mais sua imagem. É natural que lembremos dos bons momentos. A Copa de 1986 ficará cada vez mais eternizada na mente dos argentinos, que tendem a esquecer os problemas com as drogas ao longo do tempo”, afirma Fernando Fleury, especialista em marketing esportivo.
Porém, por mais objetividade que seja possível extrair dos documentos, a construção de um mito precisa de contextos. Diego Maradona teve muitos. Conquistou uma Copa do Mundo numa edição em que derrubou os rivais ingleses após a Guerra das Malvinas e tornou um clube de pouca grandeza, como o Napoli, em uma equipe vencedora na Europa.
O fato de suas conquistas não terem sido equiparadas ao longo dos anos só reforçou a idolatria em torno do personagem visceral.
“Se o Messi tivesse vencido uma Copa do Mundo, o Maradona continuaria sendo enorme, mas algumas coisas poderiam ser relativizadas. Quanto mais tempo a Argentina ficar sem ganhar um Mundial, ele se torna maior lá e no mundo”, analisa Helal.
A eterna comparação
Segundo Helal, foi justamente o jejum de títulos da Argentina que criou a eterna comparação de quem foi melhor: Pelé ou Maradona?
“Analisei no meu doutorado na Argentina como a imprensa de lá vê o futebol brasileiro ao longo das Copas. Sempre foi uma relação de muita admiração. Até 1998, não existia a comparação. Era o rei do futebol e o Maradona, seu herdeiro. Em 2002, isso já vinha mudando e entra como elemento compensatório: ‘O Brasil tem o melhor futebol, mas temos o melhor jogador de todos os tempos’.”
O ex-jogador e comentarista Júnior, contemporâneo de Maradona nos campos, crê que o argentino tende a ficar maior, se isso for realmente possível:
“Tudo o que ele fez na vida ficará em segundo plano. A genialidade suplanta”, afirma.
A genialidade a serviço do futebol pode até estar alguns degraus abaixo em relação a outros, na opinião de alguns. Mas não o mito.
“Maradona foi um gênio. No campo, ele está abaixo de Pelé, ali junto com Garrincha, Cruyff… Mas iconicamente ele é maior do que todos eles juntos”, completa Helal.