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Tito Guarniere Marcas profundas

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No livro de Zuenir Ventura, clássico de uma época, 1968 (foi) o ano que não terminou.

No livro de Zuenir Ventura, clássico de uma época, 1968 (foi) o ano que não terminou. O ano de 2020, onde estamos, ainda não terminou, e no cenário de uma vida normal do Brasil e da humanidade, nem começou.

Ventura quis dizer – e disse como ninguém – que 1968 fora uma espécie de ruptura do tempo, uma rachadura singular da história – em que os nossos sonhos, de que seríamos felizes e capazes de construir uma grande nação, pereceram no breu da noite ditatorial.

O ano de 1968 foi escrito a ferro, com muita dor e sofrimento, mas na perspectiva pareceu um ponto de partida. A tempestade de 1968 seria o aviso, o prenúncio de uma certa paz, uma certa fase da vida em que todos poderiam respirar o ar puro da liberdade.

2020, não. Há honra, glória e profundo senso de humanidade no esforço ingente de médicos, enfermeiras, cientistas, na busca desesperada para diminuir o sofrimento dos contagiados pela doença. Mas com certeza eles prefeririam não ter experimentado, e encarado o olhar e o gesto emocionado de gratidão pelo pai, ou pelo filho que se recuperou. Todos nós sabemos o quanto essas pessoas são merecedoras de nosso eterno reconhecimento.

Enfim, neste ano doloroso de 2020, talvez fique alguma coisa. Das guerras, e ao final, apesar de todos os cadáveres estendidos no campo da batalha, sempre se pode alegar com um avanço nos inventos humanos, para a sua mobilidade e deslocamento, ou uma conquista importante de tratamento da ferida, da sequela, da doença. Nada disso compensa os horrores da guerra.

Tudo indica que logo estaremos sendo vacinados. Foi um feito e tanto. Nunca os homens se uniram, gastaram tanto dinheiro, tanta dedicação e trabalho na busca tresloucada de um remédio – alcançado em tempo impossível de se imaginar, considerados os padrões existentes. Nunca uma plêiade de homens e mulheres fez tanto pela humanidade. Mas por que não pensar que os recursos alocados poderiam ter sido alocados, por exemplo, para o saneamento básico?

Nada será como antes. Não estou falando do isolamento social e de todos os efeitos que se acumulam no nosso exílio voluntário, ou os novos hábitos de higiene, o home office, a proteção facial, mas de que modo cada um de nós sairá diferente do ano que não terminou, não começou e nem deveria ter acontecido. Todas as condições de nossa coexistência comum foram dramaticamente afetadas. Não sairemos ilesos do flagelo.

Os eventos deste ano tenebroso estão incorporados de forma indelével, nas nossas mentes e nos nossos corações. Alguns – talvez – sairão mais fortes e resilientes. Em outros, a pandemia deixará uma nuvem que ficará pairando sobre as cabeças, manifestando-se ameaçadoramente, conturbando nossos sonhos e os fatos da vida real.

Quando nos dermos conta, naquele instante de aflição, lá estará a sombra do flagelo que nos fará companhia – inafastável – em meio ao trajeto que nos é reservado. Alguma coisa isso tudo quis dizer. Precisamos encontrar o lugar de vida, de fala, onde possamos de pronto reconhecer que não somos o centro do mundo, não somos melhores do que ninguém, e não temos a chave de todos os enigmas.

 

 

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