Sexta-feira, 03 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 3 de outubro de 2025
O Ministério da Saúde divulgou que subiu para 102 o número de casos suspeitos de intoxicação por metanol
Foto: Biodiesel BrasilAo ingerir uma bebida alcoólica adulterada com metanol, é justamente o fígado — órgão que costuma proteger nosso organismo de toxinas — que vira o grande “vilão” no processo de intoxicação. Em vez de metabolizar a substância para que ela seja processada facilmente, ele a transforma em compostos ainda mais perigosos, capazes de provocar cegueira e de levar à morte: formaldeído, muito reativo, mas rapidamente convertido em ácido fórmico, considerado o verdadeiro veneno.
O Ministério da Saúde divulgou nesta sexta-feira (3) que subiu para 102 o número de casos suspeitos de intoxicação por metanol após o consumo de bebidas alcoólicas em todo o País. Outros 11 casos tiveram a confirmação da contaminação pela sustância relacionada à bebida.
“O fígado é como o ‘laboratório químico’ do corpo. Sua principal função é transformar substâncias tóxicas em compostos menos perigosos, por meio de enzimas”, explica Felipe Lukacievicz Barbosa, coordenador do curso de Farmácia da Universidade Positivo.
“No caso do etanol (álcool comum), essa estratégia funciona bem. Já no do metanol, ele gera compostos que atacam as células. É um veneno silencioso.”
Quando alguém ingere etanol, tomando cerveja ou vinho, por exemplo, o fígado cumpre sua função:
– converte esse tipo de álcool, por meio da enzima ADH (álcool desidrogenase), em acetaldeído;
– em seguida, outra enzima, a ALDH (aldeído desidrogenase), transforma o acetaldeído em acetato, que é descartado pelo organismo sem grandes danos.
Os problemas de saúde costumam surgir a médio ou a longo prazo: as células do fígado (hepatócitos), após anos de consumo abusivo, podem sofrer um dano crônico e cumulativo, levando a quadros de cirrose e de insuficiência hepática.
Com o metanol, a história é completamente diferente. Ele também é um álcool (tanto que termina com “ol”), mas com apenas um átomo de carbono, e não dois.
O fígado, que não está habituado a receber esse tipo de substância, “se atrapalha”: ao tentar metabolizar o metanol, acaba fabricando os dois compostos extremamente tóxicos mencionados no início da reportagem (o formaldeído e o ácido fórmico).
“É como se o fígado acreditasse que está cumprindo sua função, mas, em vez de neutralizar [o metanol], produz substâncias ainda mais perigosas”, explica Natália Trevizoli, hepatologista do Hospital Sírio-Libanês (SP).
Lisa Saud, médica especialista do Hospital 9 de Julho (SP), traça uma comparação:
“O etanol pode provocar consequências em 10 ou 15 anos de abuso. Já o metanol age em poucas horas. É um mecanismo totalmente diferente”, explica.
O ácido fórmico ataca justamente as mitocôndrias, organelas responsáveis pela respiração celular. Ele inibe a ação da enzima citocromo c oxidase, essencial para a produção de ATP (molécula orgânica que armazena energia).
“Sem ATP, é como se tirássemos os tecidos da tomada. Eles deixam de ter energia para funcionar”, explica Marcus Barbosa, médico e professor da Unifran. Os primeiros a sofrer são aqueles que mais dependem de energia:
– no nervo óptico → o que explica os casos de cegueira registrados na Grande São Paulo;
– no sistema nervoso central → provocando sonolência, confusão mental e, em casos graves, coma.
Além de cortar a energia celular, o ácido fórmico ainda reduz o pH do sangue, tornando-o mais ácido.
“O organismo humano precisa manter o pH em torno de 7,40. Quando esse valor cai, ocorre a chamada acidose metabólica, que faz várias funções entrarem em colapso”, afirma Felipe Lukacievicz Barbosa, farmacêutico e professor da Universidade Positivo.
Ele lista as principais consequências:
– coração: arritmias e perda de força contrátil;
– rins: agravamento de lesões;
– músculos: fadiga intensa;
– respiração: aumento da frequência, em uma tentativa de compensar o desequilíbrio químico.
A professora Meire de Bartolo, do Colégio Bandeirantes, faz uma analogia: “É como se os peixes de um aquário estivessem nadando em água que ficou ácida de repente. Eles não resistem. No corpo humano, esse ‘aquário’ é o sangue, e as células são os peixes”, diz.