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Política Metralhadoras, fuzis e foguetes: a conspiração que em 31 de março de 1964 armou civis e militares contra o então presidente brasileiro João Goulart

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Conspiração uniu militares, empresários e políticos no Rio e em São Paulo para derrubar o então presidente. (Foto: Arquivo Nacional)

Era 31 de março quando um grupo de oficiais da Aeronáutica se concentrou na Escola Anne Frank, perto do Palácio Guanabara (RJ), onde se entrincheirara o governador Carlos Lacerda. Tinham um jipe com um lançador de foguetes e metralhadoras.

No Regimento de Cavalaria da Força Pública de São Paulo, o tenente-coronel Adauto Fernandes de Andrade pôs a tropa em forma e disse: “O general Olympio Mourão saiu de Minas em direção ao Rio. Eu estou com ele. Quem não quiser, pode ir pra casa e só voltar quando terminar a revolução.” Não saiu ninguém de forma.

O que ligava os militares reunidos no Rio e os de São Paulo era uma conspiração que contou com a participação de empresários, políticos e oficiais do Exército e da Força Aérea para providenciar armas aos grupos que se preparavam para derrubar o presidente João Goulart.

Eles contaram com compras de fuzis e metralhadoras no exterior e com o desvio de armamento no País. Também houve treinamento de combate. Eis aqui uma história pouco conhecida sobre os meses que antecederam ao golpe que mudou o País.

Neste texto estão os relatos inéditos de dois oficiais da antiga Força Pública e o de um coronel da Força Aérea. Eles participaram, não só da conspiração, como estiveram na linha de frente dos rebelados contra Jango, no dia 31 de março, quando a sorte do movimento iniciado por Mourão Filho não havia sido ainda decidida. Peça central nessa trama teve um velho conspirador, homem envolvido na revolta de Aragarças, contra o presidente Juscelino Kubitschek. Tratava-se do tenente-coronel-aviador João Paulo Moreira Burnier, que anos mais tarde fundaria o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA).

Conta o então tenente Lúcio (hoje coronel L.W.B.G) que o telefone tocara em sua casa na noite do dia 30 de março. Era dona Nilza, a mulher de Burnier. “O João Paulo disse para você se armar e ir para a Escola Anne Frank.” O marido estava em Minas, trazendo granadas e dinamite para os conspiradores, no Rio. Nos meses anteriores, o coronel dedicara-se a contrabandear e a desviar armas para seus companheiros no Rio, em Minas e em São Paulo. Trouxe metralhadoras tchecas para os mineiros e para os pernambucanos. Com os paulistas arrumou fuzis para a Força Pública e foguetes da fábrica Paraíba.

Um dos oficiais que manipularam esse equipamento, o coronel Newton Borges Barbosa, do Regimento de Cavalaria da Força Pública de São Paulo contou: “Faziam o chamado tiro tenso, que é executado com ângulos de elevação pequeno, cargas fortes e velocidade elevada”. A trajetória dos disparos era rasante. Em São Paulo, dois capitães da Força Pública paulista – Barbosa e Salvador D’Aquino, homens de confiança do tenente-coronel Adauto –, eram os responsáveis pela guarda das armas e dos foguetes.

“Você sabe como funciona a granada antitanque? Chama efeito Monroe. A granada dentro, você não enche de trotil, o trotil parece uma massa de janela, você pega o cone de cobre e enfia o cone assim, dentro e forma um losango, um espaço oco e na frente o bico do foguete”, contou Barbosa.

Barbosa conta que Adauto era a ligação de Burnier em São Paulo. “Com o Burnier eu estive várias vezes. A gente viajava sexta-feira à noite e voltava no domingo. Foram feitas várias viagens. Em Macaé, fizemos o teste para lançamento. O alcance era 4 mil metros. Lá no campo (de teste) tinha oficiais do Exército e da Aeronáutica. Eu era o único paulista ali.”

Nas décadas seguintes, Barbosa chefiaria o Serviço de Informações da corporação paulista e chegaria a subcomandante da PM, durante o governo de Franco Montoro (1983-1987) – ele faleceu em maio de 2022.

Futuro fundador da Rota, D’Aquino chegaria ao posto de coronel. Ele estava de prontidão na sua companhia, na véspera do golpe. “Eu cheguei a receber um caminhão de munição. De metralhadora, fuzil.” D’Aquino morreu em 2005.

Tudo ainda era nebuloso no dia 31. Parte do Exército e da Força Aérea hesitavam, à espera de ordens do presidente Goulart – o golpe seria vitorioso apenas no dia seguinte. Burnier chamou um jovem tenente do Exército – Cyro Guedes Etchegoyen –, que participava de seu grupo. No relato do tenente Lúcio, ele disse:

“Etchegoyen, você que é do Exército, vai lá fazer o contato com esse cara, o comandante dos tanques, para saber qual é a desse cara.” Tratava-se de Freddie Perdigão – que no futuro trabalharia no Centro de Informações do Exército (CIE) e no Serviço Nacional de Informações (SNI), a exemplo de Etchegoyen. Burnier completou a ordem: “Você (L.W.B.G.) vai uns dez metros atrás dele (Cyro), com a metralhadora. Ô Cyro, se for uma cilada, você faz um sinal para o Lúcio e sai da linha de tiro, e ele passa fogo no cara do tanque.”

E assim foi feito. Cyro e Lúcio foram a pé até a Rua das Laranjeiras. O caminho estava todo bloqueado pelos caminhões Fenemê de lixo, da empresa de limpeza pública. Os quase 300 revoltosos que defendiam o Palácio, todos com lenços brancos no pescoço, portavam revólveres calibre 32 e 38, algumas pistolas calibre 7,65 mm e 45 e umas poucas metralhadoras.

Cyro pediu que os caminhões fossem retirados para permitir a passagem dos tanques para o lado dos revoltosos.

Lúcio permanecera ao lado do Jeep onde Burnier instalara uma plataforma lança-foguetes. A munição fora furtada da Aeronáutica, e a engenhoca fora montada para disparar, direto nas forças governistas que ameaçassem tomar o Guanabara. Temia-se uma ação dos fuzileiros navais, comandados pelo vice-almirante Cândido da Costa Aragão, um legalista que entraria na primeira lista dos cassados.

As ordens eram claras. “Se as tropas do Aragão vierem por ali, você puxa essa cordinha, e o foguete dispara. Mas você tem de mirar no olho.” Naquele dia, nenhum marinheiro apareceu, e Lúcio não precisou “puxar a cordinha”. Se tivesse, o resultado poderia ter sido desastroso.

Após a adesão dos tanques de Perdigão, Lacerda deixou o Palácio e se dirigiu à escola. Fazia cinco anos que estava rompido com Burnier por ter se oposto à revolta de Aragarças, na qual o oficial tomara parte. Menos de cem metros separavam os dois prédios.

O governador foi recebido pelo oficial e disse: “Coronel, venho aqui lhe dizer que acabo de receber um telefonema do general Amaury Kruel nos seguintes termos: ‘Sob o meu comando, as tropas do 2.º Exército se deslocam para o Rio a fim de depor o presidente da República’.” Lúcio nunca mais esqueceu a cena. Burnier respondeu-lhe com uma única palavra: “Ciente!” O diálogo simbolizava a vitória do golpe. Goulart seria deposto.

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https://www.osul.com.br/metralhadoras-fuzis-e-foguetes-a-conspiracao-que-em-31-de-marco-de-64-armou-civis-e-militares-contra-o-entao-presidente-do-brasil-joao-goulart/ Metralhadoras, fuzis e foguetes: a conspiração que em 31 de março de 1964 armou civis e militares contra o então presidente brasileiro João Goulart 2024-03-30
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