Sábado, 07 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 1 de novembro de 2020
Nos últimos anos, um tema em frequente discussão no mundo da tecnologia era o chamado “tempo de tela” – uma medida para indicar quantas horas passamos à frente de PCs, smartphones e outras placas luminosas. Durante o isolamento social, essa métrica explodiu em uso: de repente, a vida toda parecia ser vivida a partir de uma tela. Houve quem achasse que isso fosse um sinal ruim. Não é o caso do israelense Nir Eyal: para o engenheiro, a “quarentena teria sido ainda pior sem as telas”.
Especialista em engenharia comportamental, Nir Eyal se tornou referência no Vale do Silício ao longo da última década para quem desejasse criar um aplicativo que atraísse os usuários como Coca-Cola no deserto. Parte da receita está em ‘Hooked’, livro que ele lançou no final de 2013 – segundo a obra, tudo que é preciso para ter um app viciante é um gatilho, uma ação, uma recompensa variável e um estímulo para que se passe mais tempo ali dentro. Segundo o engenheiro, não é um modelo necessariamente ruim. “É algo que pode incentivar hábitos bons, como ler notícias ou ajudar crianças a estudar. A questão é como ele é utilizado”, afirma. Confira trechos da entrevista.
1) Na quarentena, muita gente está preocupada com a quantidade de tempo que passou à frente de uma tela. Como o sr. viveu e vê esses últimos meses?
Tempo de tela não é uma coisa ruim. Se a pandemia nos ensinou algo, é que tempo de tela não é um problema. E ainda bem que elas existem: já pensou se passássemos por algo assim nos anos 1990? A quarentena seria ainda pior sem telas. Graças a elas, conseguimos nos conectar uns com os outros. De modo geral, acredito que as pessoas vão dizer que preferem viver com telas do que sem. Vejo a tecnologia como uma bênção: graças a ela, as pessoas puderam falar com amigos, família, até mesmo se consultar com psicólogos. Minha filha está tendo aulas pela internet – e talvez ela esteja tendo uma educação melhor agora, com acesso a professores no mundo todo. O que faz este momento ser difícil são as repercussões na economia e na saúde, mas não me preocupo com a tecnologia.
2) Outra preocupação comum com as telas diz respeito às crianças. O sr. diz que usar bem a tecnologia é uma questão de hábito. Mas como ensinar isso aos filhos?
Se há uma habilidade que precisamos ensinar às crianças, é como elas controlam sua atenção. Isso vai determinar se elas controlam sua vida ou outras pessoas é que a controlam. Mas acredito que só o tempo de tela é uma métrica ruim. O que importa é o que se faz na tela. Se minha filha está conversando com os avós no Zoom, é ótimo. Se ela está criando um jogo ou um vídeo, também. Mas se ela está só consumindo conteúdo, talvez não seja. O que importa é o comportamento (e o que deveria estar sendo feito naquele momento), não o tempo em si.
3) Apple e Google lançaram apps que mostram o tempo que passamos no celular. O que o sr. acha deles?
É um bom começo. São a amostra de como as empresas de tecnologia não viciam: se elas querem te viciar, por que criariam algo para reduzir seu impacto? É como os cintos de segurança: eles apareceram nos carros muitos anos antes de serem obrigatórios por lei. Por que? Por que isso torna os carros mais seguros.
4) Seu primeiro livro, Hooked, é descrito como um manual para qualquer empresa que queira fisgar seus usuários. Como o sr. vê o impacto do livro na indústria?
O livro era para empreendedores, designers, talvez até mesmo investidores buscando criar hábitos saudáveis. Muitas pessoas dizem que eu ajudei o Facebook. Mas a verdade é que escrevi o livro quando a empresa já estava no ar há tempos. O que fiz foi roubar seus segredos para que todos nós entendamos como ela funciona. O efeito do livro é positivo. Empresas como a Cahoot, que ajudam crianças a se engajar em aulas, usam esse sistema. Eu trabalhei com o New York Times usando esse método para ajudar as pessoas a se engajar com o jornalismo local. É possível usar a metodologia para hábitos saudáveis. A tecnologia é boa, mas precisamos usá-la de forma responsável para que ela não tome o controle das nossas vidas.