Terça-feira, 21 de outubro de 2025
Por Edson Bündchen | 31 de julho de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
A recente carta de Donald Trump ao governo brasileiro, contendo exigências descabidas e de forte tom impositivo, não representa apenas mais um episódio de tensão comercial entre Brasil e Estados Unidos. Ela escancara algo mais profundo: o embate geopolítico em curso pela hegemonia global, especialmente no campo econômico, entre Washington e Pequim, e a incômoda posição em que países como o Brasil são colocados nesse tabuleiro. De um lado, somos aliados históricos dos americanos e, de outro, dependemos muito do comércio com os chineses.
Trump impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, sem nenhuma alegação consistente, revelando claramente uma chantagem institucional. Mas, para muitos analistas, a questão real é outra: conter a ascensão chinesa e diminuir o papel do Brasil nos Brics. E nessa disputa, o Brasil passou de parceiro estratégico dos americanos a peça a ser forçada a fazer concessões.
A ironia é que quanto mais os Estados Unidos tentam coagir o Brasil a se afastar da China, mais intensificam a aproximação entre Brasília e Pequim. O movimento tem precedentes: em países como Austrália, Canadá e Alemanha, onde episódios de ingerência externa apenas inflamaram o orgulho nacional e fortaleceram lideranças políticas locais que souberam surfar a onda da soberania.
O dilema é que o Brasil não pode, mesmo que quisesse, romper com a China. Ela é nosso principal parceiro comercial há décadas, destino de nossas exportações de soja, minério de ferro, petróleo, carne bovina e celulose. Mais de US$ 100 bilhões por ano em exportações não são substituíveis da noite para o dia, nem por afinidade ideológica, nem por pressão diplomática. A China tem oferecido investimentos em infraestrutura, acordos bilaterais e até participação em cadeias produtivas industriais, o que a retórica americana, centrada em ameaças e sanções, não tem contrabalançado. O Presidente americano parece, ao invés disso, acreditar na sua estratégia do “porrete” e fustigar seu grande e histórico parceiro do sul.
Suponha-se, por um momento, que o Brasil aceitasse um acordo para reduzir sua cooperação com a China. O que os Estados Unidos teriam a oferecer em troca? Abrir amplamente seu mercado a produtos agrícolas brasileiros? Alguém imagina isso possível, com a soja, por exemplo? Claro que não! Financiar infraestrutura no país em larga escala, como fazem os chineses com o Belt and Road Initiative? Bastante improvável, dado o direcionamento do MAGA. Transferência de tecnologia e investimentos em inovação? Possível, mas demanda tempo e não seria capaz de substituir o impacto necessário na balança comercial do Brasil. Facilitação migratória e educacional para brasileiros? Sem dúvida, importante, porém também limitada. A verdade é não há contrapartidas suficientes para substituir a China como principal parceiro comercial do Brasil.
O Brasil, por seu turno e como potência regional, não pode aceitar que sua política externa seja ditada por ultimatos. Tampouco deve cair na armadilha de um alinhamento automático a qualquer dos polos da disputa global. A maturidade diplomática exige equilíbrio, diversificação de parceiros, e sobretudo, a defesa intransigente de sua soberania.
Se os EUA querem disputar a influência chinesa na América Latina, devem fazê-lo com propostas concretas, respeitosas e vantajosas. Chantagens e tarifas abusivas apenas reforçam a percepção de que a China, apesar de seus próprios interesses estratégicos, oferece um tratamento mais pragmático e menos intervencionista. E é esse pragmatismo que hoje rege o comércio global.
No fim das contas, a tentativa americana de emparedar o Brasil pode ter efeito contrário ao desejado: empurrar de vez o Brasil para a esfera chinesa, não por afinidade ideológica, mas por puro interesse nacional. Se a guerra tarifária visa conter a China, os EUA devem lembrar que aliados não se conquistam com ameaças, mas com respeito, cooperação e ganhos mútuos. O Brasil precisa, sim, preservar seus laços históricos com os americanos, mas jamais às custas de sua autonomia e de sua relação vital com a China, até por ser impraticável economicamente tal ruptura.
Instagram: @edsonbundchen
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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