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Por Redação O Sul | 23 de janeiro de 2021
O Brasil ainda não tem estrutura adequada para fabricar vacinas. Nem no Instituto Butantan, nem na Fiocruz – que são dois centros considerados de excelência no país. A construção dos laboratórios necessários só começou depois da pandemia. Já a nossa vizinha, Argentina, está mais avançada.
É de uma fábrica em Garín, nos arredores da capital argentina, que irão sair pelo menos 250 milhões de doses da vacina para países da América Latina, menos para o Brasil. Inaugurada em março de 2020, a fábrica mAbxience iria produzir medicamentos monoclonais para câncer, mas a pandemia e a união de dois empresários latino-americanos mudou tudo. Agora, a produção é de IFA – Insumo Farmacêutico Ativo -, o princípio da vacina da Oxford/AstraZenca. Foi com orgulho que o presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez o anúncio há cinco meses.
“Eu quero expressar minha satisfação com isso. Porque põe a Argentina em um lugar de tranquilidade. Basicamente. De poder contar com a vacina em tempo oportuno, quando necessitarmos, e na quantidade suficiente para cobrir a demanda que, da forma mais imediata, teremos que cobrir”, disse Fernández na ocasião.
Para fazer frente aos altos custos de uma produção enorme, o laboratório AstraZeneca buscou o apoio da iniciativa privada pelo mundo. O magnata das telecomunicações mexicanas Carlos Slim concordou em contribuir, desde que a produção ficasse na América Latina. Foi aí que a fábrica argentina entrou na história. Ela pertence ao médico Hugo Sigman. Durante a ditadura militar nos anos de 1970, ele fugiu de Buenos Aires para a Espanha e, de lá, junto com a mulher, que é bioquímica, construiu uma gigante do setor farmacêutico.
Na inauguração da fábrica na Argentina, ele falou no esforço para enfrentar as dificuldades do baixo investimento do país em tecnologia e inovação. A Argentina, assim como o Brasil, investe menos de 1% do orçamento. Países como Israel e Coreia do Sul, mais de 4%.
Sigman falou que empresários como ele precisam dar sua contribuição: “Nós, empresários, precisamos fazer uma séria autocrítica do que acontece por não investirmos mais em ciência e tecnologia”.
Da Argentina, o IFA está seguindo para o México, onde é envasado e distribuído para América Latina. A operação começou esta semana. O Brasil ficou fora, porque o contrato entre a AstraZeneca e a Fiocruz prevê importar insumo da China – que está atrasado.
“O contrato não prevê essa disponibilidade, por exemplo, da Argentina. Tanto que fará parte da própria estratégia regulatória de submissão, do registro definitivo da vacina, o recebimento do IFA vindo de WuXi”, afirma Luiz Lima, vice-diretor de produção de Bio-Manguinhos/Fiocruz.
O vice-diretor de produção da fábrica Bio-Manguinhos/Fiocruz, que é ligada ao governo federal, diz ainda que a estrutura para produzir a vacina do começo ao fim está em construção. Deverá estar pronta para a inspeção da Anvisa em março, com início da produção em abril para o Programa Nacional de Imunização.
“A nossa meta segue de termos em torno de 50 milhões de doses de vacina entregues ao PNI até o final de abril e 100, 4 milhões até o final do primeiro semestre”, diz Luiz Lima.
O que está sendo construído por Bio-Manguinhos, no Rio, e pelo Instituto Butantan, em São Paulo, são laboratórios de alta segurança para a manipulação de vírus vivo, que é o principal insumo para fazer vacinas. É o tipo de laboratório que já funciona na fábrica argentina. O do Butantan está previsto para outubro.
Um dos mais novos e um dos mais bem equipados laboratórios de biossegurança de nível 3 do Brasil demorou dois anos para ser construído e é fruto de uma parceria entre o Instituto Pasteur, da França, a Universidade de São Paulo, com participação da Fiocruz.
Esse tipo de laboratório é importante e exige cuidados. Só profissionais treinados e paramentados podem entrar e trabalhar em um dos quatro laboratórios. Passam por três salas com pressões diferentes, para evitar que microorganismos escapem. Há câmeras e um sofisticado sistema de filtros e esterilização.
Eduardo Jorge Valadares, professor de biomedicina, que dirigiu o departamento do complexo industrial do Ministério da Saúde, diz que o Brasil vem perdendo espaço no cenário mundial da biotecnologia por falta de continuidade nos investimentos públicos e privados, excesso de burocracia e por preferir muitas vezes comprar pronto o que teria condições de desenvolver.