Sexta-feira, 23 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 16 de junho de 2022
Como havia feito várias vezes antes, Daniel Picazo González saiu de casa na Cidade do México para visitar a propriedade que seu avô havia herdado em uma pequena cidade do estado de Puebla.
A casa fica na cidade de Las Colonias de Hidalgo, a cerca de três horas da capital mexicana, e como um homem de 31 anos que adorava viajar, aproveitar os dias de folga em meio àquela comunidade nas montanhas da Sierra Norte era algo que ele apreciava.
Isso aconteceu em 9 de junho. Picazo González avisou aos pais, Ricardo Picazo e Angélica González, que havia chegado bem.
A próxima notícia que tiveram do filho foi que algo terrível havia acontecido com ele.
Naquela noite de sexta-feira, cerca de 200 moradores da cidade de Papatlazolco, vizinha de Las Colonias de Hidalgo, detiveram, espancaram e lincharam Picazo González até a morte.
Um boato espalhado dias antes por grupos de WhatsApp e Facebook de Papatlazolco dizia que havia forasteiros sequestrando crianças para traficar seus órgãos. E o jovem de 31 anos foi vítima do julgamento público de uma multidão, segundo investigações preliminares das autoridades.
Informações falsas desse tipo já haviam sido usadas para gerar ansiedade em comunidades que estão dispostas a acreditar nelas — e levado a extremos como aconteceu nesta comunidade em Puebla.
O que aconteceu?
Picazo González era advogado e até março passado trabalhava como assessor de uma deputada federal.
Ele havia acabado de terminar um curso de mestrado e, em 9 de junho, estava tentando “fugir” do estresse da cidade visitando a casa de Las Colonias de Hidalgo, segundo contou seu pai.
Mas o clima naquela região não era o mesmo de antes.
Dois dias antes, começaram a circular mensagens em chats e grupos de redes sociais de que havia forasteiros sequestrando crianças.
Havia até imagens com logotipos de instituições que não existem mais como tal (a PGR, por exemplo, que hoje é a Fiscalía General de la República). Estas fotos supostamente indicavam que havia uma busca por criminosos.
“Esta informação que circulou já tem alguns anos. Estas mesmas fotos circularam não só aqui, mas nacionalmente, em outras partes do México”, explica à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, o jornalista Pablo Torres, de Huauchinango, município onde fica Papatlazolco.
Naquela noite de sexta-feira, por volta das 21h, um morador local avistou uma caminhonete com placa de outro estado e alertou a comunidade via WhatsApp que “forasteiros já estavam por aí e que provavelmente eram deles que estavam falando há dois dias”, conta o jornalista Torres.
“Estavam apontando o jovem como suposto sequestrador de crianças, sem que ninguém tivesse verificado nada”, acrescenta.
Inicialmente, cerca de 30 moradores se reuniram, conforme informou o prefeito de Huauchinango, Rogelio López.
“Os policiais receberam uma chamada e foram imediatamente prestar socorro, mas depois chegaram mais de 200 pessoas. Eram seis policiais para pouco mais de 200 pessoas”, afirmou López.
Imagens divulgadas nas redes sociais mostram Picazo González algemado, com sinais de ter sido espancado, sendo levado à força pelas ruas de Papatlazolco.
As autoridades não se deram conta do que aconteceu antes da morte do jovem “inteligente e estudioso”, como define seu pai.
O prefeito afirma que a polícia o “resgatou”, até que chegaram “mais de 200 pessoas” para agredir os agentes.
“E, infelizmente, já não podiam fazer mais nada.”
Conforme a mãe de Picazo González contou à imprensa mexicana, um homem que presenciou o evento tentou ajudá-lo revelando sua identidade e origem.
“O rapaz contou que meu filho disse a ele: ‘Me ajude, me ajude!’ Eles o amarraram, algemaram e deixaram de joelhos”, explicou Angélica González à emissora de TV Milenio.
“Quase morrendo, ele disse: ‘Pega minha carteira, está na calça’. E a testemunha viu que ele estava com sua identificação da Câmara dos Deputados. (…) Ele queria defender meu filho, mas os moradores não deixaram. Havia policiais estaduais e municipais, mas também estavam incriminando ele.”
O corpo de Picazo González foi encontrado carbonizado, depois de supostamente ter sido encharcado com gasolina e incendiado enquanto ele ainda estava vivo.
O governador de Puebla, Miguel Barbosa, disse que a investigação do caso já foi aberta.
“É um ato bárbaro, uma total aberração, em que há preconceito, ignorância, boatos, um ambiente de não acreditar na autoridade”, lamentou Barbosa.
A família, no entanto, diz que ainda não recebeu nenhuma nova informação. As autoridades não informaram se havia detidos ou algum avanço até terça-feira.
“A única testemunha se apresentou para nós, corajosa, declarou tudo o que havia acontecido. Mas lá as pessoas encarregadas de esclarecer essas questões e responder às nossas perguntas não as vimos”, queixa-se Angélica González. As informações são da BBC News.