Quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Por Edson Bündchen | 11 de setembro de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Rogério Werneck costumava dizer que a elite brasileira tem uma convicção inabalável: é com o governo que se fazem os melhores negócios. Vender para o Estado, comprar do Estado, financiar o Estado, ser financiado pelo Estado, receber isenções do Estado, transferir passivos para o Estado… É uma vaca de muitas tetas. lista é interminável. Não se trata de exagero, mas de diagnóstico histórico. No Brasil, o risco da competição e da inovação nunca seduziu tanto quanto o conforto de um contrato público bem ajeitado.
Sérgio Buarque de Holanda chamou isso de patrimonialismo, ao descrever o “homem cordial” que não distingue a sala da sua casa da sala do poder. Para ele, nossa herança ibérica nos legou relações sociais mediadas pelo afeto e pelo compadrio, que se infiltraram também na política. Governar, assim, era administrar como se fosse a própria fazenda. Raymundo Faoro ampliou esse olhar em Os Donos do Poder, mostrando que nossas elites aprenderam a capturar a máquina estatal como extensão de seus interesses. O Estado virou o palco de privilégios privados, enquanto o interesse coletivo ficou em segundo plano.
É nesse contexto que a frase de Werneck revela sua força: para a elite brasileira, o Brasil é menos uma nação e mais uma oportunidade de negócio. Brasília é mais atrativa do que o mercado porque, no mercado, é preciso competir, inovar, arriscar. No Estado capturado, basta acesso ao governante certo.
Mas a tese do patrimonialismo não é unânime. Para o filósofo Jessé de Souza, a ideia do patrimonialismo, tão repetida e celebrada, acabou funcionando como um álibi conveniente às elites. Ao transformar a corrupção em traço cultural, como se fosse maldição genética do brasileiro, ela nos condena a um auto-estigma e, pior, concentra a crítica apenas no Estado, poupando justamente quem mais se beneficia dele: as elites econômicas. Na narrativa patrimonialista, os políticos são os grandes corruptos; os empresários, meros espectadores. Jessé inverte o foco: o grande negócio sempre foi a aliança. O Estado brasileiro foi, e continua sendo, a principal fonte de privilégios para o topo da pirâmide social.
O efeito dessa leitura é provocativo. Ao naturalizar a corrupção como cultura, inocenta-se o mercado e mantém-se a ficção de que a elite é vítima de um Estado atrasado e ineficiente. A realidade é bem menos ingênua. O que temos é uma parceria persistente: elites políticas e econômicas de mãos dadas, dividindo benefícios, sustentando um modelo que eterniza desigualdades.
É por isso que a crença descrita por Werneck não é apenas crença, mas é uma prática reiterada. Continuamos a assistir, em ciclos, o mesmo teatro. Discursos inflamados contra a “corrupção do Estado” convivem com o silêncio obsequioso diante das engrenagens que drenam recursos públicos para bolsos privados. O tratamento dado pelo Parlamento brasileiro à prática das chamadas “emendas secretas” espelha bem aquilo que se busca trazer como reflexão neste artigo. O “patrimonialismo”, nesse sentido, virou uma palavra elegante para encobrir o fato simples de que o Estado brasileiro ainda é o caixa preferido para quem descobriu o gabinete certo em Brasília.
O desafio, portanto, não é somente cultural ou moral. Não estamos condenados por traços de personalidade coletiva ou por uma suposta incapacidade de viver a República. Há, sim, aspectos culturais e morais também envolvidos, porém, o problema é muito mais de caráter estrutural.
Nesse aspecto, a captura do público pelo privado, legitimada por discursos que nos fazem crer que o mal está apenas na política é uma evidência eloquente. Enquanto não rompermos essa simbiose perversa entre poder econômico e poder político, continuaremos a ser reféns de quem que jamais acreditou no interesse público. No fundo, Werneck tinha razão. Para nossa elite, o Estado nunca foi instituição republicana. Foi, e ainda é, o melhor negócio.
* Edson Bündchen
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.