Quarta-feira, 22 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 2 de novembro de 2020
A vantagem de Joe Biden na reta final da eleição dos EUA põe em xeque a política ambiental do governo brasileiro. Sem esconder a predileção por Donald Trump, auxiliares diretos do presidente Jair Bolsonaro temem que um revés do republicano isole ainda mais o Brasil e amplie as pressões internacionais contra o desmatamento na Amazônia.
O Itamaraty já se movimenta de forma discreta para parecer disponível à negociação em caso de mudança de comando na Casa Branca.
É consenso entre diplomatas que Biden manterá a pressão pública pela preservação da floresta se vencer a disputa presidencial. A volta dos democratas ao poder poderia forçar a gestão Bolsonaro a rever o discurso de desvalorização do meio ambiente.
Este cenário evidenciaria o esvaziamento político do grupo “trumpista” do governo brasileiro, especialmente do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – que propôs passar a “boiada” para flexibilizar a legislação ambiental –, e do titular das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
A lista inclui ainda o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno – que já fez uma série de discursos sobre a Amazônia considerados do tempo da Guerra Fria.
Na sua principal referência ao Brasil na campanha, Biden propôs – durante debate com Trump, em setembro – impor sanções econômicas ao Brasil e prometeu angariar US$ 20 bilhões entre países estrangeiros para oferecer ao Planalto, em troca de preservação. “As florestas tropicais do Brasil estão sendo destruídas. Aqui estão US$ 20 bilhões. Parem de destruir a floresta! Se não, vocês terão consequências econômicas significativas”, disse o democrata no debate transmitido pela TV americana.
Bolsonaro reagiu imediatamente. Afirmou que a declaração era “desastrosa” e indicava o fim da convivência “cordial e profícua”. “Nossa soberania é inegociável. Lamentável, sr. Joe Biden, sob todos os aspectos, lamentável”, escreveu o presidente no Twitter.
O chanceler Araújo já chamou Trump de “Salvador do Ocidente”. Agora, o esforço é para calibrar o tom. Nas últimas semanas, o ministro disse que a relação se “reorganizará” se o democrata vencer.
A rotina no Itamaraty mudou. Araújo deixou de convidar blogueiros pró-Trump para seminários virtuais promovidos pela pasta. Diplomatas de carreira passaram a ocupar o espaço dos extremistas.
Num dos encontros, o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário de Negociações Regionais e Bilaterais nas Américas, minimizou prejuízos diante de uma troca de governo.
“A agenda que estamos construindo é de interesse para os dois países”, disse ele. Essa agenda, segundo o diplomata, tem como base interesses “muito concretos” na área comercial e é cobrada pelos setores produtivos dos dois países.
Ricardo Salles, por sua vez, virou um peso para um governo em busca de moderação e até para o setor exportador do agronegócio. Vive agora atacando o vice-presidente Hamilton Mourão, os ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Embora assessores observem que uma reforma ministerial depende mais da vontade de Bolsonaro do que de alterações de cenários internacionais, a eventual vitória de Biden tende a causar impacto na equipe brasileira.
A preocupação do candidato democrata com o clima agrada a uma ala do seu partido, que abriga distintos grupos liberais de centro e de esquerda críticos do governo brasileiro. Biden já anunciou que vai voltar ao Acordo de Paris – tratado no âmbito das Nações Unidas que rege medidas de redução de emissão de gases efeito estufa.
A vice na chapa de Biden, Kamala Harris, já havia previsto o tom da campanha democrata no ano passado, no auge das queimadas amazônicas.
Ela sinalizou o bloqueio de acordos em negócios – como o almejado e ainda distante livre-comércio, barrado pela bancada democrata na Câmara. “Enquanto a Amazônia queima, o presidente do Brasil, que copia Trump, permitiu que madeireiros e garimpeiros destruíssem o território e não está agindo”, disse ela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.