Sábado, 17 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 5 de maio de 2021
Amina Filali tinha 15 anos quando contou aos pais que havia sido estuprada. A família, “seguindo o conselho de um funcionário da Justiça”, segundo disse o pai da menor de idade, a obrigou a se casar com o estuprador, um homem de 25 anos. Meses depois, após denunciar diversas agressões, a adolescente se matou aos 16 anos.
Amina morreu em 2012 em um pequeno povoado no Marrocos, e seu caso emblemático desencadeou protestos e campanhas de grupos de mulheres ao redor do país.
Dois anos depois, o Parlamento do Marrocos enfim derrubou a lei que permitia ao estuprador escapar da Justiça se casando com a vítima. Mas isso ainda é realidade em diversas partes do mundo, incluindo a América Latina, segundo o recente relatório do Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) intitulado “Meu corpo me pertence”.
Segundo o documento, quase metade das mulheres em 57 países em desenvolvimento não têm autonomia sobre seus corpos, e lhes são negados os direitos de decidir se desejam ter relações sexuais, se podem usar métodos contraceptivos ou se podem buscar atendimento de saúde, por exemplo.
Isso “deveria indignar a todos nós”, disse a diretora-executiva do UNFPA, Natalia Kanem. “Em essência, centenas de milhões de mulheres e meninas não são donas dos próprios corpos. Suas vidas são governadas por outros.”
O estupro e as leis que perdoam o estuprador são apenas dois exemplos em uma longa lista de violações que também inclui casos como mutilação genital ou testes de virgindade.
E mesmo em países que revogaram regras que livram o estuprador caso ele se case com a vítima, outras práticas ainda permitidas por lei podem acabar tendo o mesmo resultado.
Quais países têm leis como essas?
Em seu relatório de 2017, a ONG Equality Now destacou vários exemplos de países no Oriente Médio e Norte da África onde um estuprador pode escapar da Justiça por meio do casamento: Iraque, Bahrein, Líbia, Kuwait, Palestina, Tunísia, Jordânia e Líbano.
“Depois de nosso relatório e de outras campanhas, a Tunísia, a Jordânia e o Líbano acabaram com essas leis em 2017, e a Palestina fez o mesmo em 2018 “, disse Bárbara Jiménez, advogada especializada em direitos das mulheres e representante do Equality Now para Américas, à BBC News Mundo.
Outros exemplos citados no relatório da ONU são Angola, Argélia, Camarões, Guiné Equatorial, Eritreia, Síria e Tajiquistão.
Vítimas casadas com seus estupradores ficam presas a relacionamentos que as expõem a novos estupros em potencial e outras agressões pelo resto da vida.
“Em muitas ocasiões essas leis existem porque o que se tenta ‘proteger’ aqui é a honra da família, o nome, a honra da vítima”, acrescentou Jiménez.
A “desonra” pela perda da virgindade é vista pelas famílias como um mal maior do que a integridade de suas filhas.
Esses padrões também existiam na Europa. A Itália, por exemplo, os eliminou em 1981 e a França, em 1994.
América Latina
A maioria dos países da região revogou artigos em seus códigos criminais que permitiam que um estuprador fugisse da justiça casando-se com sua vítima.
Mas essas mudanças legais são incrivelmente recentes. Por exemplo, regras assim foram eliminadas no Uruguai em 2006, na Costa Rica em 2007 e na Bolívia em 2013.
No Brasil, uma lei promulgada em 2005 extinguiu o trecho do Código Penal que previa o casamento como forma de extinguir a punição para casos de estupro.
No entanto, um artigo no Código Civil deixava margem para encerrar a punição se houvesse casamento entre agressor e vítima. Esse trecho foi modificado em 2019.
Atualmente apenas um país da região latino-americana, a República Dominicana, ainda possui um artigo em seu Código Penal que permite ao autor de uma violação escapar de sua sentença mediante casamento.