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Por Redação O Sul | 9 de abril de 2018
Quando o ex-espião russo Sergei Skripal e sua filha Yulia caíram desacordados junto a um banco de praça na Inglaterra, há pouco mais de um mês, engrossaram uma peculiar lista de desafetos da Rússia: a dos envenenados. Seu caso chamou a atenção para o uso de venenos quase indetectáveis, capazes de enganar um espião. Armas do ser humano desde a pré-história, os venenos não caíram em desuso porque deixaram de matar. Mas, sim, porque se tornou mais fácil descobri-los. O caso Skripal mostra, porém, que os venenos nunca deixaram de assombrar e ainda surpreendem. As informações são do jornal O Globo.
Doze anos antes dos Skripal sufocarem até perder os sentidos, o também ex-espião russo Alexander Litvinenko passou semanas em agonia. A causa, envenenamento por polônio 210, um agente radioativo.
Igualmente envenenados foram o ex-agente da KGB Viktor Kalashnikov e sua mulher. O crime, com mercúrio, aconteceu na Alemanha, em 2010, mas ambos sobreviveram. Há ainda o caso do ex-presidente da Ucrânia Viktor Yushchenko, desfigurado e quase morto em 2004 por TCDD, uma forma sofisticada de dioxina, misturada ao seu jantar.
Os Skripal foram vítimas de novichok, um agente neurotóxico. Novichok é o nome genérico para dezenas de compostos químicos que atacam o sistema nervoso. São um tipo de pó ultrafino que, quando inalado, contrai todos os músculos, bloqueia coração e pulmão. Contorce, sufoca e mata.
Até o fim do século XIX, matar com veneno não era raro. E o crime podia ficar sem castigo. Até o avanço da química analítica, os sintomas de um envenenamento eram indistinguíveis daqueles causados por doenças. Não havia como identificar uma substância tóxica.
Usava-se os mais variados tipos de fonte venenosa. Arsênico, cianureto, chumbo, tálio, mercúrio, antimônio, cicuta, estricnina, beladona, mandrágora, toxinas de fungos, sapos, peixes, cobras, aranhas e escorpiões – a lista encheria páginas, tão vasta quanto a engenhosidade humana para matar. Os venenos sempre foram muito procurados.
Ao longo dos séculos, há envenenados e envenenadores ilustres. Sócrates foi condenado à morte, tomando cicuta (preferiu veneno ao exílio). Cleópatra teria cometido suicídio com a picada de uma víbora (Vipera aspis), coisa hoje considerada improvável. A tal víbora raramente mata, e a rainha era uma envenenadora experiente, capaz de escolher coisa melhor para dar cabo de si. Ela testava poções letais em prisioneiros de guerra, e historiadores consideram que tinha conhecimento suficiente para ter se matado de outra forma, menos dolorosa.
Lucrécia Borgia ganhou fama de libertina e envenenadora inveterada. Ninguém questiona que levou uma vida sexual animada. Mas a última hipótese tem sido questionada. Lucrécia já tinha veneno de sobra na família. Era irmã e talvez amante de Cesar Bórgia, a inspiração do “Príncipe”, de Maquiavel, e filha do papa Alexandre VI. Ambos eternizados pela falta de caráter. Já Lucrécia teria envenenado nobres e membros do clérigo com uma poção chamada la cantarella.
A receita se perdeu, mas se acredita que fosse uma mistura de arsênico e cantaridina, toxina de um inseto. Alguns historiadores, porém, acham que Lucrécia nunca matou ninguém. Tudo seria intriga de inimigos da família. Envenenadora ou não, ao morrer de parto, aos 39 anos, em 1519, foi enterrada vestida de freira.
Já Napoleão Bonaparte teria mesmo morrido intoxicado por arsênico na prisão. Mas não teria sido crime, e sim contaminação através do papel de seus manuscritos.
Entre os russos, são famosos os relatos em torno de Rasputin, o odiado curandeiro de Nicolau II, o último czar da Rússia. Ele teria sobrevivido a duas tentativas de envenenamento, uma delas num banquete com cianeto suficiente para matar muita gente. Para o povo da época, seria tanto cianeto que a sobrevivência só poderia ser explicada pelo fato de Rasputin ter parte com o demônio.
A química analítica moderna pode ter acabado com o ardil de envenenadores, mas não com a atração por desenvolver e usar substâncias tóxicas. O mundo continua cheio de venenos. Eles estão em produtos de limpeza, desinfetantes, pesticidas, aditivos químicos e até medicamentos, se tomados na dose errada. Mortes ou danos por envenenamentos não são raros. Porém, quase sempre se trata de acidente. Pelas contas da Organização Mundial de Saúde (OMS), morrem devido a envenenamento acidental 200 mil pessoas por ano no mundo. Outras 370 mil se suicidam ao ingerir pesticidas. O mundo não é apenas perigoso. É venenoso.