Quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
Por Redação O Sul | 17 de dezembro de 2025
“Eu vendi tudo. Vendi tudo, assim, da noite para o dia, para poder colocar esse dinheiro, investir na aposta. Então, em uma semana eu aportei ali, sei lá, coisa de 200 mil, na outra semana eu estava indo trabalhar de bicicleta”, relata um engenheiro de 29 anos, de Fortaleza (CE), e que prefere não se identificar. Ele luta contra o vício em apostas online e estima ter perdido mais de 1 milhão de reais em quatro anos.
“Quando tu começa a jogar, tu esquece tua família, tu esquece tua esposa, tu esquece o teu marido, tu esquece do filho, tu esquece tudo, se isola.”
Casos de jogo compulsivo como o dele vêm se tornando cada vez mais comuns no Brasil. O Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III), com dados de 2023, aponta que cerca de 10,8 milhões de pessoas a partir de 14 anos jogam de forma arriscada ou problemática. Segundo especialistas, o vício em jogos virtuais, as chamadas “bets”, que podem ou não ser esportivas, já é considerado problema de saúde pública e tem Classificação Internacional de Doenças (CID): Transtorno do Jogo.
“O transtorno do jogo é muito similar à dependência química, só que o jogo não tem um fator externo, como uma substância aditiva. Ele é totalmente simbólico, eu tô num aplicativo jogando, então não tenho uma substância, só um aparelho”, explica o psicólogo Magnum Freire. Muitas vezes, a pessoa começa a jogar por brincadeira, mas, ganhando ou perdendo, não consegue parar.
“Às vezes tem uma tentativa e essas tentativas são fracassadas de parar de jogar. A pessoa, muitas vezes, precisa jogar cada vez mais ou apostar mais pra ter as mesmas sensações iniciais, como uma espécie de tolerância semelhante a algumas drogas. A gente tem também uma irritabilidade ou inquietação quando tenta parar”, afirma a psiquiatra Nayana Holanda, do Ambulatório do Hospital de Saúde Mental de Messejana, referência nesse tipo de tratamento no Ceará.
Foi o que aconteceu com o engenheiro. “Eu chegava no meu trabalho, sete horas, ia para a minha sala, trancava a sala e passava o dia todo jogando. Resolvia alguma coisa do trabalho pelo celular com o mestre, mas eu não saía da sala”. Ele conta ainda que “quando era necessário sair realmente para ver alguma coisa na obra, eu ia com o celular na mão, nervoso, ansioso, esperando bater aquilo ali que eu tinha colocado com aposta e era isso, era bizarro”.
O mesmo estudo mostra que os grupos mais vulneráveis são pessoas de menor renda e adolescentes que, em tese, nem poderiam acessar jogos virtuais de aposta segundo a lei brasileira. Entre os que apostaram no último ano, 55% dos menores de 18 anos apresentaram comportamento de dependência, enquanto na população adulta esse índice é de 39%. No recorte por faixa econômica, 53% de quem ganha até um salário mínimo joga de forma problemática.
Os homens são os que mais apostam, de acordo com o estudo. Eles correspondem a 64,8% dos apostadores, enquanto as mulheres, 35,2%. Foi um colega de trabalho que apresentou os jogos online ao engenheiro. “Depois que eu ganhei essa primeira aposta, comecei a jogar todo dia. Depois, comecei a jogar ao todo turno, comecei a jogar toda hora”, relata.
A dependência fez com que o homem vendesse carros, moto e pegasse dinheiro emprestado. “Eu não tinha mais cabeça pra estar dentro de uma construtora trabalhando e sempre dando um jeito de apostar. Eu comecei a pegar emprestado com agiota e aí eu acho que foi quando eu consegui cavar um pouco mais o fundo do poço, né”, compartilha.
Especialistas alertam que, muitas vezes, o apostador com transtorno do jogo tem dificuldade de se identificar como alguém dependente que precisa de ajuda. Muitos só buscam auxílio quando chegam a extremos levados pelo vício. O psicólogo Magnum afirma que “ele manifesta fisicamente insônia, grau de ansiedade altíssimo, tem episódios depressivos, ele projeta um ganho. Não ganhou? Fica triste, mas ele vai tentar de novo, então ele volta àquele pico de ansiedade, adrenalina do ganho, perda de novo. E assim vai esse ciclo. Ele tem um prejuízo funcional a semana toda”.