Segunda-feira, 14 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 10 de novembro de 2019
Em meados de outubro, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou uma MP (Medida Provisória) que alterou a política de conversão de multas ambientais. O texto autoriza o Ministério do Meio Ambiente a contratar, sem licitação, uma instituição financeira para gerir um fundo que receberá os valores das multas convertidas indiretamente – quando o infrator aloca o dinheiro em um serviço de preservação para quitar sua dívida com o Estado. As informações são do portal de notícias UOL.
Até a posse do atual governo, os serviços nos quais as empresas poderiam alocar seu dinheiro proveniente das multas convertidas eram escolhidos pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por meio de chamamento público.
Com a mudança promovida pelo Executivo, a decisão ficará concentrada no ministro Ricardo Salles, que vai determinar a “destinação dos recursos e as definições quanto aos serviços prestados”.
Dessa forma, Salles terá uma espécie de “superpoder” sobre um fundo que tem um ativo potencial de pelo menos R$ 38 bilhões (o Ibama não retornou os questionamentos da reportagem sobre valores atualizados), valor de multas que o Ibama ainda tem para receber aventado pela ex-presidente do instituto Suely Araújo, que deixou o posto no segundo dia do governo Bolsonaro.
O site The Intercept reportou no final de outubro que este número pode chegar a R$ 54 bilhões, conforme análise da plataforma InfoAmazonia.
“Meu principal receio é que, como agora está tudo no prato do ministro, exista risco de uma grande politização das decisões. É muito dinheiro. O Ibama arrecada, em média, R$ 3 bilhões por ano em multas”, diz Araújo ao UOL.
Segundo ela, os contratos para prestações de serviços ambientais já estavam firmados para este ano, mas o governo não assinou os termos de parceria e suspendeu o que já havia sido negociado. Pelo menos R$ 1,1 bilhão em multas já tinha destino certo, mas não houve continuidade. “Esses projetos estão no limbo”, afirma a ex-presidente do Ibama.
Pela norma anterior, os valores provenientes das multas convertidas não se tornavam públicos em nenhum momento do processo. As empresas depositavam o dinheiro em uma conta da Caixa Econômica Federal, vinculada à instituição que prestaria o serviço ambiental, e acompanhavam toda a realização desse serviço. A dívida só era sanada quando o trabalho era concluído.
Com a MP, não se sabe como o dinheiro será investido, já que a aplicação de recursos será determinada por “ato do ministro do Meio Ambiente”.
A Medida Provisória assinada por Bolsonaro e Salles desobriga as empresas de acompanharem a realização dos serviços ambientais e “desonera” quem foi multado de qualquer responsabilidade com o depósito do valor no fundo privado. “Monitorar faz parte do espírito da conversão. Você estava substituindo uma obrigação de pagar por uma obrigação de fazer. Agora, você está substituindo uma obrigação de pagar por uma obrigação de pagar com desconto, é um retrocesso”, diz Araújo.
A conversão de multas, que pode ser direta (quando o infrator paga por um serviço ambiental) ou indireta (o infrator deposita o valor em uma conta bancária para que outra instituição, em geral organizações não governamentais, realize o serviço) é prevista na lei brasileira desde 1998.
Uma regulamentação concreta da norma, entretanto, veio apenas com a gestão do ministro José Sarney Filho (PV) em 2017, sob o governo de Michel Temer (MDB).
O decreto que regimentou as conversões diretas e indiretas das multas foi produto de uma discussão que envolveu ambientalistas e os principais órgãos do ministério do Meio Ambiente, como o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Há um consenso entre os estudiosos de que a cobrança da multa sem oferecer a possibilidade de conversão fomenta a inadimplência, já que os infratores preferem postergar o processo ao máximo, levando-o a todas as instâncias administrativas. Com a conversão, é interessante financeiramente para as empresas pagarem, porque há um desconto de 60% na multa.
Em abril, no entanto, um decreto de Bolsonaro já preconizava as mudanças na conversão de multas e foi o embrião da MP que concentrou os poderes nas mãos de Ricardo Salles.
Uma alteração específica chamou a atenção de ambientalistas e estudiosos: a supressão do termo “sem fins lucrativos” do artigo que aponta quais instituições poderiam apresentar projetos para os chamamentos públicos do Ibama.
Com isso, há a possibilidade de que uma empresa privada obtenha lucros com a realização desses serviços ambientais decorrentes das conversões de multas.