Domingo, 08 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 4 de janeiro de 2021
Uma nova mulher nasceu dentro de Gracinda Senna quando o seu desejo de conquistar a felicidade se sobrepôs às sombras da traição e ao medo do desconhecido. Legítima representante do sexo forte, a moradora de Cascadura, que completou 72 anos no domingo (3) e virou modelo já na melhor idade, começou a dar uma guinada em sua vida há duas décadas, após decidir escrever a sua história longe do homem com quem se casou ainda na adolescência e com quem teve cinco filhos. O voo solo levou a carioca de Bento Ribeiro, que no momento da decolagem lutava contra a depressão, a viver nos Estados Unidos por seis meses, onde trabalhou como faxineira, a namorar um americano mesmo falando muito pouco do idioma local, a recomeçar a vida afetiva sempre que preciso e a iniciar uma carreira até então inimaginável, a de modelo.
Fotos e desfiles passaram a fazer parte da rotina desta avó de 16 netos quando ela já havia se tornado uma bela sexagenária. No currículo do mundo fashion, participações em eventos e campanhas, um honroso terceiro lugar numa edição do concurso Miss Maturidade e uma posição de destaque no projeto Senhoras do Calendário, idealizado pelo produtor cultural Eduardo Araúju para enaltecer a beleza daquelas que carregam consigo as marcas da sabedoria.
Gracinda é a madrinha da edição 2021 do calendário, ocupando a contracapa deste que é um capítulo especial na redescoberta da sua beleza. A modelo veterana, também aposentada e que até o início da pandemia de Covid-19 dava expediente como diarista numa casa no Grajaú “para se sentir útil”, deu os primeiros passos na profissão há cerca de dez anos sem ter exatamente esta pretensão.
“Estava assistindo ao programa da Eliana (apresentadora do SBT) quando o Eduardo Araúju deu uma entrevista para falar sobre o trabalho que fazia com modelos mais maduras. Eu me encantei ao ver na TV meninas da minha faixa etária desfilando de corselet, bem vestidas, sensuais… No programa, ele contou que dava aulas de modelo e manequim para mulheres maduras na Lona Cultural do Pechincha (Jacob do Bandolim), em Jacarepaguá. Imediatamente me animei e decidi me inscrever. Os meus filhos deram a maior força. Em pouco tempo, a minha autoestima estava nas alturas. Fiquei mais vaidosa, passei a me cuidar e descobri que sou uma mulher bonita”, diz.
Não demorou para o guarda-roupa de Gracinda ganhar novas peças: “Comecei a usar roupas mais curtas, a colocar decotes e as pernas de fora. Por que não? Se Deus me dá a oportunidade de estar viva e saudável, tenho que viver, namorar e amar”.
Há seis anos, a modelo está sem um par para chamar de seu. Mas ela segue disposta a caminhar de mãos dadas ao lado de alguém que chegue para somar.
“Se pintar um novo amor, vai ser bem-vindo! Tenho dois ex-namorados que querem voltar comigo, mas eu não quero (risos). Não sou muito exigente, um homem para me conquistar nem precisa ser bonito, mas tem que ser sincero, carinhoso e companheiro. Quem se interessar por mim também precisa aceitar que não quero mais ninguém morando comigo. Namoro só nos fins de semana”, frisa. “Casamento não é mais papo para mim. Outra coisa: fidelidade é fundamental. Quando um relacionamento está ruim, eu termino e depois parto para outro. Eu vivi por 28 anos com um homem que sempre me traiu. Não me permito mais voltar a passar por isso.”
Dias antes de completar 18 anos, Gracinda ouviu o clássico “Prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da minha vida, até que a morte nos separe”. O que veio a seguir fugiu a esta cartilha. O estado civil da aposentada segue inalterado (casada), mas a separação de corpos se deu há pelo menos duas décadas, pouco depois do então casal voltar a morar no Rio após uma longa temporada vivendo em Boa Vista (RR), para onde o marido militar havia sido transferido para trabalhar.
“Eu me separei por descobrir as traições dele. No auge da crise conjugal, abandonei um emprego público (no Banco do Brasil), em Boa Vista, porque, diante de tantos problemas, não tive condições de continuar trabalhando. Estava exausta emocionalmente, abri mão de tudo, mas entrei em depressão. Eu me sentia enganada, abandonada. Não é fácil superar a traição de quem dizia que eu era a mulher da vida dele. Deixamos de morar sob o mesmo teto um tempo depois que voltamos para a casa onde vivo até hoje. Foi uma fase difícil”, recorda.
Um sintoma de que o abalo emocional estava afetando a saúde física foi uma perda significativa do seu peso.
“Passei do manequim 48 para o 36. Todo mundo que me via perguntava se eu estava doente. Um dia, reencontrei uma amiga que morava nos Estados Unidos e tinha vindo aqui de férias. Ao saber da minha dor, de tudo que estava acontecendo na minha vida, ela me convidou para passar um tempo na casa dela, na Flórida. Como os meus filhos já eram adultos, alguns já estavam até casados, aceitei. Ela agitou tudo para eu tirar passaporte e visto. Foi assim que comecei uma vida nova, aos 52 anos, nos Estados Unidos. Passei seis meses lá e trabalhei pela primeira vez na vida como faxineira. Foi uma experiência transformadora”, observa.
Quando as lágrimas foram substituídas por risos, era hora de Gracinda beijar na boca e ser feliz. “Eu arrumei um namorado que ajudou a curar a minha dor de amor. Nos fins de semana, a gente saía para passear, ia a restaurantes, passava a noite juntos. Eu não falava quase nada de inglês e ele não sabia uma palavra em português, mas nós nos entendíamos. Às vezes, por sinais ou apenas trocando carinhos. A linguagem do afeto é universal”, diverte-se.
Desejo é voltar a trabalhar após pandemia
Seis meses depois de chegar à Flórida, Gracinda Senna precisava voltar para o Brasil, já que o seu visto de turismo exigia o retorno imediato ao país de origem. Na bagagem, trouxe a sensação de que havia vencido a depressão e de que estava pronta para recomeçar na sua terra natal, sem marido a tiracolo.