Domingo, 29 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 26 de setembro de 2015
Quando tinha 18 anos, a cineasta israelense-britânica Leslee Udwin foi convidada por um homem charmoso que conheceu para ir a uma festa na casa dele. Chegou lá e estranhou um pouco o lugar isolado. Os convidados estavam atrasados, ele dizia. Ninguém apareceu – e Leslee foi estuprada naquela noite. O caso aconteceu na África do Sul, mas a cineasta pensa que poderia ter sido em qualquer lugar do mundo. Na época, ela voltou para casa certa de que a culpa havia sido sua.
Anos depois, ela se surpreendeu com o caso de um estupro coletivo na Índia que chocou o mundo. Jyoti Singh, 23 anos, voltava do cinema com um amigo por volta de 20h30min em Nova Déli, quando foi violentada por seis homens dentro de um ônibus. O crime repercutiu e gerou protestos pedindo justiça e direitos iguais para mulheres na Índia – e Leslee decidiu mergulhar em uma jornada “traumática”, como ela descreve, para “amplificar a voz daquelas mulheres” em um documentário sobre o caso. “Eu queria levantar a questão dos direitos de meninas e mulheres. Porque não é uma coisa da Índia”, frisou. “Todo país do mundo sofre dessa doença que é a desigualdade de gênero. Nós precisamos agir, entender nossa responsabilidade nisso.”
Documentário.
O filme “India’s Daughter” (“Filha da Índia”, em português) estreou em março internacionalmente e chegou ao País recentemente, onde teve uma exibição pública em São Paulo, promovida pela ONG Plan International Brasil, no lançamento da campanha “Quanto custa a violência sexual contra meninas?”
Para produzi-lo, a cineasta gravou 32 horas de entrevista com os estupradores da menina na Índia e outros agressores sexuais. Ela achava que encontraria “monstros” ou psicopatas, mas se surpreendeu ao concluir que todos eles eram “homens normais”. “Eu juro que nem por um segundo das entrevistas eu senti um pingo de raiva. Por que não? Pela mesma razão que esses homens não conseguem sentir nenhum remorso”, relata. “Ficou óbvio que esses homens foram programados para pensar o que pensam e agir como agem. Eles não são independentes, eles são conduzidos a pensar dessa maneira desde que nascem.”
Leslee conta que precisou fazer algumas “entrevistas-teste” (que não entrariam no filme) com outros estupradores para treinar a sua “sanidade” antes de enfrentar os agressores de Jyoti. E foi um deles que a fez identificar, ao mesmo tempo, o problema que gerava tantos casos de estupro, e a solução para acabar com eles.
Mulheres são vistas como menos do que um ser humano.
O homem em questão havia estuprado uma menina de 5 anos. Ele descreveu tudo o que fez com ela e como “tampou sua boca para abafar os gritos com o cuidado de não tampar seu nariz para que ela pudesse se manter viva”. A garota, como ele apontou, era da altura do seu joelho. Leslee lhe perguntou se ainda pensava nela e no que tinha feito. “Sim. E toda vez que penso, preciso ir ao banheiro”, ele respondeu. A falta de arrependimento demonstrada por ele fez com que a cineasta entendesse a cultura do estupro.
“Se você desvaloriza esse ser humano [mulher], se você aprende que elas não têm nenhum valor comparadas a você [homem], é claro que você vai tratá-las dessa forma. O que você espera?”, questiona. “Nós somos responsáveis pelas atitudes deles, nós motivamos as atitudes deles. E nós como sociedade merecemos isso.”
Solução.
Para combater o problema, ela defende uma mudança estrutural e global na educação, valorizando respeito, direitos humanos e igualdade de gênero nas escolas. Para lutar por essas mudanças, Leslee se aliou à ONU como consultora de Direitos Humanos, e está ajudando na formulação de um novo currículo escolar com alterações de conceitos básicos da educação.