Segunda-feira, 05 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 4 de maio de 2025
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), admitiu publicamente o que parecia se apresentar como uma silenciosa operação de bastidor: está estudando – “fortemente”, segundo disse – um projeto de lei que reduz as penas, em certos casos, para condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado. A mudança, prevista num projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), reduziria a pena de prisão de 4 a 8 anos para 2 a 6 anos, no primeiro caso, e de 4 a 12 anos para 2 a 8 anos, no segundo, e valeria para atos violentos sob influência de multidão e restrito a danos materiais. Para quem planejou ou financiou tais crimes não haveria redução de pena. O mesmo texto também prevê que o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito seja absorvido pelo de golpe de Estado em caso de condenação nos dois delitos. Na prática, diferente do que hoje entende o STF, as penas não poderiam ser somadas.
Não é preciso dizer mais para identificar na proposta uma solução negociada a fim de reduzir a pena das pessoas condenadas pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. É também uma forma de aplacar as pressões para colocar em votação o requerimento apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que pede urgência na apreciação do projeto de lei que anistia quem foi condenado por participação no 8 de Janeiro, o chamado PL da Anistia. Como se sabe, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem sido alvo de grita crescente da bancada bolsonarista, à qual vem resistindo com bravura. Trata-se também de uma saída para uma diferenciação entre “líderes e liderados” nos atos golpistas, algo não previsto na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, base para as recentes decisões do STF sobre o 8 de Janeiro. Se avançar, a proposta poderá beneficiar casos como o da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada a 14 anos de prisão.
Em circunstâncias normais, a discussão sobre o projeto de redução das penas poderia ser vista como casuísmo – um típico exemplo de mudança providencial destinada a favorecer grupos de pressão ou atenuar punições por interesses de ocasião. Mas o Brasil não vive tempos normais, o que mais do que nunca exige do País prudência e soluções negociadas. É o que torna aceitável, por exemplo, a estratégia do deputado Hugo Motta de deixar o PL da Anistia esfriar e não simplesmente dar um cavalo de pau e enterrá-lo de uma vez, como deveria. É também o que dá algum sentido para o fato de que Executivo, Legislativo e Judiciário se articulem para entregar alguns anéis, ou seja, atenuar algumas penas de vândalos golpistas, para preservar os dedos, mandando para a prisão articuladores, financiadores e líderes da intentona bolsonarista. E é o que torna compreensível a engenhosa alternativa identificada por Davi Alcolumbre, que se enquadra também nos limites das prerrogativas do Congresso, a quem cabe, por óbvio, mudar leis – e ao STF convém analisar sua aplicação nas ações dos atos golpistas.
Se bem cumprida, a ideia pode ajudar a evitar um mal maior: a anistia a golpistas de qualquer tamanho, “líderes ou liderados”, e sobretudo evitar que o maior golpista de todos, Jair Bolsonaro, deixe de prestar contas à Justiça. O texto do PL da Anistia é tão amplo que pode até mesmo reverter a inelegibilidade do ex-presidente imposta após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condená-lo por atacar as urnas eletrônicas. É inconcebível, e certamente o pior cenário, deixar prosperar qualquer tentativa de driblar a lei e a Constituição, como vêm fazendo Bolsonaro e os bolsonaristas mais empedernidos, e anistiar os que conspiraram para destruir a democracia depois das eleições de 2022 – a começar por ele próprio. No mundo ideal, o País não debateria anistia a golpistas, porque nem sequer teria havido o ataque à democracia como ocorreu. Mas, diante da bagunça criada por Bolsonaro e seus cúmplices, conter grandes males dentro da lei e com respeito ao papel de cada um dos Três Poderes já é um avanço e tanto. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)