Sábado, 05 de julho de 2025
Por Redação O Sul | 25 de julho de 2020
Após o presidente Jair Bolsonaro ter determinado a revogação de portarias com regras para rastreamento de armas de fogo e munições, o Exército prepara novas versões do texto sob críticas tanto de especialistas em segurança pública quanto de representantes dos CACs (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores).
Para os especialistas, as minutas das novas portarias, apresentadas em consulta pública no início de julho, têm retrocessos em relação às normas originais e pioram o controle sobre marcação, importação e exportação de armas, o que dificulta a resolução de crimes. Já os CACs reclamam de obrigações a usuários de armas que foram mantidas e também do prazo relâmpago da consulta do Exército, que durou apenas seis dias.
Duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF), que têm como relator o ministro Alexandre de Moraes, alegam que Bolsonaro defendeu interesses privados ao revogar as portarias 46, 60 e 61 do Colog (Comando Logístico do Exército), no dia 17 de abril, e pedem que as normas voltem a valer.
Naquela data, em mensagem nas suas redes sociais, Bolsonaro se dirigiu a “atiradores e colecionadores” e afirmou ter determinado a revogação dos textos “por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”. Os textos ampliavam as regras de controle para armas e munições sob responsabilidade de fabricantes, órgãos de segurança e pessoas registradas como CACs junto ao Exército, além de determinarem a criação do SisNaR, um sistema unificado para o rastreamento desses produtos em todo o país.
Um dos pontos suprimidos na nova minuta foi a necessidade de marcação, com um código para rastreabilidade, de estojos usados com recarga de munição. O dispositivo presente na portaria original havia sido atacado por CACs, que alegaram que esta exigência “inviabilizaria” a prática de tiro esportivo, já que atiradores costumam reutilizar estojos depois de competições para baratear custos. A nova minuta também afrouxou as regras de marcação de armas e de manutenção dos registros de venda por fabricantes. Outro item que sumiu no texto foi a identificação do nome do importador em armas vindas do exterior. À época em que as portarias foram revogadas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) classificou como “inadmissível que o Colog faça portarias restringindo importação”.
“Quando se comparam os textos, percebe-se que a maior parte das mudanças foi para retirar novas responsabilidades que melhoravam marcação e rastreio de armas. A qualidade das informações também se perdeu. Coincidentemente, os beneficiários em vários pontos são a indústria bélica ou entes privados como os CACs, no caso da marcação na recarga”, afirmou Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.
Para o presidente da Confederação Brasileira de Tiro Prático (CBTP), Demetrius Oliveira, contrário ao código de rastreabilidade em estojos, a marcação deveria ser feita apenas nas caixas das munições e de acordo com o IUP, uma chave de identificação que segue um padrão nacional — o que também foi retirado na nova minuta do Exército. Ao contrário da portaria original, o texto apresentado para consulta pública não especifica o código de marcação, tampouco cita a identificação do comprador em um sistema informatizado.
Embora não tenha visto “nenhum prejuízo à sociedade ou à segurança pública” com a revogação das portarias, o presidente da CBTP criticou o formato da consulta pública.
“Os CACs já são fiscalizados. Por que inserir os dados em outro sistema? O que precisa é colocar na mesa todos esses assuntos com responsabilidade e transparência. A consulta pública não permitiu todas as contribuições. Não adianta depois soltar outra portaria que ou deixará todo mundo boquiaberto, ou deixará a sociedade achando que perdeu-se o controle”, afirmou Oliveira. Segundo a pesquisadora do Instituto Igarapé, Michele dos Ramos, o Exército não apresentou justificativas técnicas para a embasar a revogação das portarias e a redação das novas minutas.