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Edson Bündchen A superação do homem rotineiro

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Em meio à pandemia da Covid-19, prosperam desejos de que voltemos logo ao “normal”, mesmo não sabendo exatamente o que isso possa significar. Tomados por certa angústia saudosa de tempos recentes, agora tão distantes, vozes difusas e medos primais passaram a assombrar a nossa mente. Tendemos a buscar culpados para apaziguar o nosso desassossego, estando esses algozes imaginários também tomados pelas mesmas inquietudes que nos perturbam.

Percebe-se, em meio à profusão de reclamações, uma vontade talvez inconsciente de combater o homem rotineiro que nos habita, descrito genialmente por José Inginieros. Para ele, a rotina é a síntese de todas as renúncias, é o hábito de não pensar. Nos rotineiros, tudo é menor esforço; a preguiça enferruja sua inteligência. Os atos que, a princípio, provocam pudor, acabam por parecer naturais; a retina percebe os tons violentos como simples matizes, o ouvido escuta as mentiras com igual respeito com que ouve verdades, o coração aprende a não se agitar diante de ações torpes. Em oposição à rotina fossilizante, travamos hoje uma luta diária para manter um horizonte positivo, com possibilidades e sonhos, buscando amainar os efeitos do confinamento, do isolamento social, da ausência do toque e do abraço

É preciso perseverar, iluminar essa sombra da rotina que nos apodera, muitas vezes silenciosamente. O quadro que atormenta nossas almas, também pode, contudo, nos libertar, criando novas e inéditas possibilidades. Que homem emergirá no pós-pandemia? Mais sábio? Mais tolerante? Mais consciente e solidário? Ou veremos simplesmente passar mais um episódio traumático da nossa história sem que incorporemos algum elo evolutivo em nossa humanidade? São perguntas cruciais e cujas respostas moldarão o modo de vida, a cultura e o próprio entendimento da atual arquitetura predominante da nossa sociedade de consumo.

O giro menos frenético das coisas, das pessoas e do dinheiro, expôs também, de alguma forma, a insana corrida rumo não se sabe exatamente para onde. O capitalismo, abalado pela perda inesperada de sua dinâmica natural, será submetido a um duro teste de reinvenção, em alguns segmentos de modo bastante profundo. A contenção, mesmo que temporária, do nosso impulso consumista, também poderá delinear um consumidor diferente, cujos contornos, ainda que imprecisos, nos permitem visualizar um novo paradigma, oxalá mais sintonizado com um tempo de maior equilíbrio entre o homem e seu meio.

Nossa reinvenção enquanto autores e vítimas de um processo global de transformação, passará inevitavelmente por uma recontratação com nós mesmos, abraçando a mudança com um fervor juvenil, buscando compreender e agir com um novo sentido ético, necessariamente mais solidário, compassivo e empático. Sem esse entendimento, o espectro da rotina imobilizante continuará muito vivo, calcificando o nosso futuro, nossos projetos e nossas justas ambições.

Nietzsche, um dos ícones da filosofia moderna, combatia sem tréguas qualquer visão ingênua do mundo e da realidade. Numa de suas frases mais célebres, o símbolo maior do niilismo afirmou que “enquanto houver esperança, não haverá solução”, quase que num grito contra qualquer utopia ou ilusão. Tomar o destino nas mãos, superando o medo paralisante, entretanto, exige coragem e um protagonismo capaz de romper com a omissão e o imobilismo. Esse arranjo precário que nos permite ir levando a vida sem gestos mais ousados contra aquilo que nos agride, entristece ou paralisa, nos torna cúmplices do quadro que nos aprisiona. As circunstâncias atuais, a despeito de sua tragicidade, talvez sinalizem um tempo de superação, a começar pelo homem rotineiro que habita em cada um de nós.

 

 

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A pena e a espada
Duas visões: um só caminho!
https://www.osul.com.br/a-superacao-do-homem-rotineiro/ A superação do homem rotineiro 2020-07-23
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